terça-feira, 3 de novembro de 2015

II CONGRESSO CONTINENTAL DE TEOLOGIA

MEMORIAL DE UMA IGREJA QUE CAMINHA COM ESPÍRITO A PARTIR DOS POBRES



De 26 a 30 de outubro de 2015 participei do II Congresso Continental de Teologia, promovido por Ameríndia e pelo Instituto São Tomás de Aquino (ISTA), ocorrido na Casa de Retiro São José, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
Fui muito bem acolhido no dia 25, na casa das Irmãs Sacramentinas, e lá reencontrei o querido amigo Pablo Richard e outros jovens teólogos e teólogas da libertação, originários de vários países da América Latina e Caribe, que conheci em 2012 durante o Congresso Continental de Teologia ocorrido na Unisinos, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Ouvi de Pablo Richard um singelo elogio ao meu novo livro Espiritualidade da Libertação Juvenil (CEBI, 2015), e o quanto essa publicação é necessária para a formação de novos teólogos e teólogas da libertação em todo o Continente. Ouvir tais palavras me encheram de alegria.
Pude ouvir histórias dos bastidores das Conferências de Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida; notar a preocupação com o avanço de forças ultraconservadoras em toda a América Latina e Caribe; celebrar a alegria do Evangelho nas mudanças propostas pelo Papa Francisco.
Na manhã do dia 26, acolhi o querido Frei Carlos Mesters, que chegava de Angra dos Reis-RJ e que foi tomar um café na casa das Irmãs Sacramentinas, onde ele tem uma amiga de muitos anos. Frei Carlos sempre com uma disposição de adolescente, apesar de ter mais de 80 anos, e com uma alegria contagiante. Me despedi e fui para o ISTA, para a última reunião de preparação e organização do Congresso com a equipe de Ameríndia e com o padre Manoel Godoy, que me pediu para marcar o tempo de caminhada da casa até o ISTA; “caminhando devagar”, como bem disse, para depois avisar aos participantes do II Congresso.
A caminhada foi maravilhosa, pois passei por dentro da Pontifícia Universidade Católica, olhando o prédio antigo, todo em branco e azul em contraste com os prédios novos; daqui a pouco avistei o Museu e finalmente cheguei ao ISTA, onde fui recebido por Manoel Godoy e a equipe de Ameríndia. Almoçamos juntos e fomos para a Casa de Retiro, onde credenciados continuamos a acertar os últimos detalhes.
A partir das 15 horas a Casa começou a receber teólogos e teólogas de todo o Continente. O idioma foi o espanhol, misturado em alguns momentos com o português. No final, todos, todas se entenderam muito bem.
A conferência inaugural foi feita pelo professor Leonardo Boff. Nos dias seguintes, seria a vez de Gustavo Gutiérrez, Carlos Mesters, Francisco Orofino, Victor Codina, José Oscar Beozzo, Pedro Trigo, várias teólogas da libertação; finalmente o II Congresso fez uma linda homenagem a João Batista Libanio.
O II Congresso Continental de Teologia avançou nos temas teológicos lançando perspectivas, propondo prospectivas.
Se assumiu publicamente apoiar o Papa Francisco nas mudanças que ele aos poucos vem fazendo. Uma carta feita por Leonardo Boff, lida em plenária, e assinada por todos, todas, foi enviada ao Papa Francisco.
Nos grupos de trabalho e nas comunicações científicas, as discussões tiveram profundidade teológica o que leva a equipe de Ameríndia a pensar numa publicação escrita que contemple os grupos e as comunicações, dando oportunidade para novos teólogos e teólogas da libertação.
Criei um poema a partir dos relatórios enviados pela maioria dos grupos de trabalho e que resume bem a criatividade e o compromisso de mulheres e homens envolvidos nas discussões teológicas daqueles dias:

IGREJA QUE CAMINHA COM ESPÍRITO E A PARTIR DOS POBRES

A Divina Ruah vem antes e caminha ao nosso lado.
A Divina Ruah sustenta as vozes em defesa da vida.
Reconstruir a Igreja enquanto discipulado de iguais
é garantir a cidadania que irá cicatrizar a ferida.

O diálogo é a casa onde hospedamos o outro.
Tudo é sagrado para quem encontra e respeita.
Eis a revolução humana que nos faz crescer.
Misericórdia é o dom que a profecia não rejeita.

A equidade, a igualdade e a diversidade,
são novas práticas pastorais e da educação.
O Reino de Deus acontece no meio do povo
como Palavra viva que jorra do coração.

Os pontos fundamentais na história bíblica,
deveriam ser os pontos da experiência humana.
Fé na Palavra, fé na gente, que lê com olhos novos
a realidade a partir dos pobres que não é profana

As cidades enquanto sinais de esperança
são aquelas que promovem a pluralidade:
de religião, de sonhos, de trabalho, de cultura.
Onde brotam espaços de participação e liberdade.

O Bem Viver é a exigência maior do Reino de Deus.
Se completa em autenticidade no seguimento da luz.
Os mártires e os profetas são sinais para hoje, neste lugar,
e, por isso, nada é mais alto que o mandamento da cruz.

A Igreja que caminha com Espírito,
que tem como riqueza o carisma e não o poder:
é a Igreja que caminha a partir dos Pobres.
Comunidade que constrói o homem e a mulher!

            De tudo o que vi e ouvi, posso dizer que a transmissão de conhecimento ocorreu de forma espontânea nos momentos de intervalos e na hora do almoço e do jantar. As mães e os pais da Teologia da Libertação ficaram desde o primeiro dia do Congresso, se misturaram em nosso meio, não deixaram de responder a nenhuma pergunta, brincaram, sorriram, nos levaram as lágrimas com seus depoimentos cheios de vida, ternura, vigor e esperança. Victor Codina me deu um abraço apertado quando me viu e me disse: “Li o seu livro Espiritualidade da Libertação Juvenil, gostei muito, parabéns”. Diego Irarrazaval ao me presentear com seu novo livro, me disse: “Seu livro Espiritualidade da Libertação Juvenil é uma ferramenta importantíssima para o trabalho com as lideranças juvenis, siga em frente, esse é o caminho”. Marcelo Barros me contou da alegria de reencontrar tanta gente bacana e sedentas da Teologia da Libertação. Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff falaram muitas coisas para mim, que até o presente momento, ainda estou refletindo e rezando, acredito que mais para frente irei colocar todas em prática, pois são indicações preciosas para ser um teólogo da libertação.
            De todas essas conversas nasceu a vontade de voltarmos para nossos países, para nossas casas, e pensarmos como difundir as propostas do Congresso no meio das juventudes, criar novos espaços para observação da realidade e da transmissão da Teologia da Libertação de acordo com cada lugar. Surgiu a ideia de se fazer no Brasil um II Encontro Nacional de Juventudes e Espiritualidade Libertadora, já que o anterior foi fruto do primeiro Congresso, e deu muito certo.
            Sou muito grato ao padre Manoel Godoy, a Rosario, e a toda a equipe de Ameríndia, que me convidaram para ajudar a organizar e a trabalhar no II Congresso Continental de Teologia, eu nunca mais vou esquecer todos os momentos ali vividos, guardei cada um deles dentro do meu coração. E rezando cada um deles, me preparo para seguir nesta caminhada, levando em frente, com outros jovens teólogos e teólogas da libertação a tarefa de continuar a defender a vida, a ser Igreja dos Pobres.
            Não se sabe ainda quando e onde será o III Encontro Continental de Teologia; nos corredores ouvi conversas que sugerem ser próximo à canonização de D. Oscar Romero (El Salvador) e ou nos 50 anos da Conferência de Medellín (Colômbia). Cenas dos próximos capítulos.
           

Emerson Sbardelotti
Mestrando em Teologia – PUC-SP
Autor de Espiritualidade da Libertação Juvenil. São Leopoldo: CEBI, 2015.
Autor de Utopia Poética. São Leopoldo: CEBI, 2007.

Autor de O Mistério e o Sopro – Roteiros para Acampamentos Juvenis e Reuniões de Grupos de Jovens. Brasília: 2005.