terça-feira, 17 de janeiro de 2012

TdL em Mutirão 39

ESPIRITUALIDADE LIBERTADORA & MÍSTICA



“Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá!” Gilberto Gil



A juventude é o sacramento do novo, e ela pode dar pistas para uma mística e espiritualidade libertadora no seguimento do Moreno de Nazaré.

O caminho para quem quer viver, não adianta falar apenas de mística e de espiritualidade, com características pejoteiras, não é nada fácil de ser percorrido, principalmente, por se espelhar no itinerário feito por Jesus e as Primeiras Comunidades.

A mística e a espiritualidade libertadora é regada com o sangue dos mártires!

E com o sangue dos mártires não se deve brincar.

Essa é a nossa herança enquanto desejosos de experimentar a mística e a espiritualidade de Jesus.

A juventude (mesmo se sabendo que na atualidade, grande parte dela, não vive num contexto cristão católico, numa família cristã católica e não foi ou não quer ser iniciada na fé) já poderia dizer, que a mística e a espiritualidade, juntas, são um caminho a ser trilhado...com sacrifícios e sorrisos...erros e acertos...mas o que é mística? O que é espiritualidade?

Para entender tais palavras e compreender seus conceitos é preciso ir às suas raízes: Mística, tem sua raiz na palavra mistério (mystérion – em grego – cf. Mc 4,11; 1Cor 2,1.7; Cl 1,27; Ef 1,9).

Leonardo Boff nos diz que o “mistério não equivale a enigma que, decifrado, desaparece. Mistério designa a dimensão de profundidade que se inscreve em cada pessoa, em cada ser e na totalidade da realidade e que possui um caráter definitivamente indecifrável. [...] Mistério, portanto, não constitui uma realidade que se opõe ao conhecimento. Pertence ao mistério ser conhecido. Mas pertence também ao mistério continuar mistério no conhecimento. Aqui está o paradoxo do mistério. Ele não é o limite da razão. Ao contrário. É o ilimitado da razão. Por mais que conheçamos uma realidade, jamais se esgota nossa capacidade de conhecê-la mais e melhor. Sempre podemos conhecê-la mais e mais. E isso indefinidamente”.

Quando falamos de mística nos referimos ao mistério que nos faz viver. É o mistério que comunica, é o sentido que tende a construir uma fraternura na Terra: harmonia com a Natureza, com as coisas todas, entre nós, com Deus.

É cantar aquele refrão do amigo Zé Vicente: “Todas as coisas são mistério! Todas as coisas são mistério!”.

Mística é o fio condutor, uma linha invisível que une a memória e os sonhos, que une a História e a Utopia, que une o passado e o futuro e que faz do presente uma grande festa, uma grande celebração!

Boff diz ainda que, “a mística não é pois, o privilégio de alguns bem-aventurados. Mas é uma dimensão da vida humana, à qual todos têm acesso, quando descem a um nível mais profundo de si mesmos, quando captam o outro lado das coisas e quando se sensibilizam diante da riqueza do outro e da grandiosidade, complexidade e harmonia do universo. Todos, pois, somos num certo nível, místicos. [...] Os místicos dão nome ao mistério. É sua ousadia, pois o mistério é inominável”.

A mística é o inominável!

Há vários conceitos e definições de espiritualidade, pois há várias espiritualidades. A que se propõe trabalhar aqui é a espiritualidade da libertação, cristã, católica, “pé-no-chão”.

Espiritualidade, tem sua raiz na palavra Espírito (ruah – em hebraico – cf. Gn 2,7).

O teólogo chileno, Segundo Galilea , nos diz que “a espiritualidade é conjunto de práticas e atitudes que manifestam a experiência de Deus (do Espírito Santo), numa pessoa, numa cultura, ou numa comunidade. É toda existência humana que põe em marcha a existência pessoal e comunitária. Trata-se de um estilo de vida que dá unidade profunda ao nosso orar, nosso pensar e nosso agir”.

A espiritualidade é o andar nos caminhos de Deus!

É fazer nosso o olhar de Deus. O olhar contemplativo de quem descobre o que não vê.

É fazer nosso o escutar de Deus. O escutar contemplativo de quem ausculta o que não se ouve.

D. Pedro Casaldáliga nos diz que “o espírito de uma pessoa é o profundo e o dinâmico de seu próprio ser: suas motivações maiores e últimas, seu ideal, sua utopia, sua paixão, a mística pela qual vive e luta e com a qual contagia. “Espírito” é o substantivo concreto, e “espiritualidade” é o substantivo abstrato. [...] Toda pessoa está animada por uma espiritualidade ou por outra, porque todo ser humano – cristão ou não, religioso ou não – é um ser também fundamentalmente espiritual. [...] O Deus de Jesus é o nosso Deus. Ele é a nossa profundidade máxima de nossa vida. A causa de Jesus é a nossa causa. Nosso viver é o Cristo (cf. Fl 1,21). Ele é a nossa paixão e seu Espírito é nossa espiritualidade”.

Todos nós carregamos nas costas uma pergunta fundamental: “qual é o sentido da minha vida, da minha existência?”.

Essa pergunta ganha um contorno novo quando uma crise se abate sobre a humanidade, sobre a sociedade, sobre a Igreja, sobre a família...

E é aí que acontece o fenômeno da fé mágica. A busca do milagrismo: “Deus vai aparecer, e vai dar um jeito em tudo. Ele vai dar um jeito na minha vida!”

E o que é o milagrismo?

É a transferência da responsabilidade dos seres humanos para Deus!

Por causa da situação caótica, transferimos para Deus a responsabilidade da mudança. Para que isso aconteça cada um deve conhecer a sua história pessoal, pois a ação de Deus se dá através da nossa ação.

E pode se perguntar: “Deus faz milagre na História?”. Faz! Mas jamais fora das coordenadas da História!

Não adianta ter somente fé, antes de qualquer coisa, está a experiência de Deus. Somente depois, com o tempo, vem a fé.

Experimentar Deus para se ter fé em Deus!

Quem não experimenta a Deus não tem fé em Deus!

Boff nos diz que “a fé só tem sentido e é verdadeira quando significa resposta à experiência de Deus, feita pessoal e comunitariamente. Fé é então, expressão de um encontro com Deus que envolve a totalidade da existência, o sentimento, o coração, a inteligência, a vontade. Os lugares e os tempos deste encontro se transformam em sacramentais, pontos referenciais da experiência de uma superabundância de sentido inesquecível”.

A CNBB em seu documento sobre a Evangelização da Juventude, destaca alguns meios para o crescimento da fé:

A oração pessoal: diálogo íntimo, profundo com Jesus Cristo, no Espírito que fortalece a dignidade enquanto filhas e filhos diante do Pai.

A oração comunitária: em comunidade é apresentado a Deus, os sucessos, as fraquezas, os sonhos, as lutas do povo, as celebrações dominicais. O domingo é o dia de encontrar-se com outros/as jovens e revigorar-se espiritualmente.

A participação na comunidade: a comunhão fraterna é essencial na vida cristã e toda juventude é convidada, desde cedo, a fazer esta experiência através de seu envolvimento nas diversas responsabilidades na comunidade.

A leitura orante da Sagrada Escritura: crer na Palavra de Deus é essencial para um processo de crescimento do/a jovem que quer se comprometer cada vez mais com o projeto do Criador. São quatro passos ou atitudes da Leitura Orante (Lectio Divina) da Bíblia:

1º. Passo: a leitura – o que o texto diz em si?

2º. Passo: a meditação – o que o texto diz para mim/nós?

3º. Passo: a oração – o que o texto me/nos faz dizer a Deus?

4º. Passo: a contemplação – começar a ver o mundo em que vivemos com os olhos dos pobres, com os olhos de Deus.

A vivência dos sacramentos: encontrar-se com Jesus, também na celebração dos sacramentos: de se tornar adulto na fé (batismo), de ser ungido para a missão (crisma), de ser testemunha da misericórdia e do perdão (reconciliação) e de ser pão para as necessidades do próximo (eucaristia).

A devoção a Nossa Senhora: o/a jovem se sente abraçado pela Mãe, meditando junto com ela os mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

Os diversos encontros espirituais: momentos especiais para a juventude quando confrontamos com a pessoa, a proposta, a prática e a pedagogia de Jesus.

As leituras e reflexões: são de grande valia as leituras teológicas e espirituais, sempre com a ajuda de um bom dicionário bíblico, litúrgico, de símbolos, de mística e espiritualidade.


Emerson Sbardelotti
Estudante de Teologia do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo
Assessor Paroquial da Pastoral da Juventude na Paróquia NS da Conceição Aparecida, Cobilândia, Vila Velha - ES

TdL em Mutirão 38

A MÍSTICA E A ESPIRITUALIDADE DA PASTORAL DA JUVENTUDE



“Uma Igreja que não confere centralidade aos pobres e não assume a causa da justiça dos pobres não está na herança de Jesus”. Leonardo Boff – Teólogo.



Na América Latina e no Caribe, no Brasil, precisamente, o compromisso com as causas do Reino, nas causas do Povo, fizeram da Pastoral da Juventude, um ponto de encontro para as discussões sócio-políticas, econômicas e religiosas que não podem ser vividas, entendidas e interpretadas separadamente: eis o longo Caminho de Emaús a ser percorrido!

Falar de Mística e Espiritualidade, nos dias atuais, dias de muita violência, pode representar e significar FUGA! E está significando fuga. Está significando: uma falta de compromisso com a realidade a qual estamos inseridos.

Falaremos aqui, da Mística e da Espiritualidade da Pastoral da Juventude, portanto, uma mística e uma espiritualidade pé-no-chão, cristã, católica e da Libertação.

É encontrar em nós e na comunidade o Mistério que nos faz viver com os pés no chão, mesmo quando voamos alto em nossos sonhos e utopias, atentos aos apelos, aos clamores de nossa gente simples, espoliada, excluída, marginalizada.

Tenho dito nas assessorias que presto aos grupos de base que:

Mística é o fio condutor, uma linha invisível que une a memória e os sonhos, que une a História e a Utopia, que une o passado e o futuro e que faz do presente uma grande festa .

Espiritualidade é aquilo que faz no ser humano uma transformação. O nosso modo de entender o que há de transcendente à nossa volta .

Entendo por transcendente, aquilo que vai além dos limites da experiência, o que nos ultrapassa. Assim dizemos que Deus e as realidades espirituais são transcendentes.

Mística e Espiritualidade não são terrenos onde só andam os que possuem algum tipo de religião. Religiosos ou ateus, todos possuem seus critérios de interpretar os fatos, de enxergar o invisível em tudo o que lhes chega ao conhecimento. As pessoas são diferentes, mas todas têm uma mística e uma espiritualidade.

Nestes anos todos de diakonia e koinonia à Pastoral da Juventude e principalmente ao Reino, entendo que o único espaço de revelação do transcendente que nos é concedido nesta Vida passa exatamente pelas realidades mundanas nas quais existimos, e por elas optamos, sofremos e nos alegramos. Nossos sonhos, nossos valores fazem parte da nossa mística e da nossa espiritualidade porque eles modificam o filtro através do qual enxergamos e interpretamos o mundo. Eles modelam a qualidade da nossa mística e espiritualidade e principalmente do nosso agir enquanto seres humanos.

Necessitamos do mistério, necessitamos do invisível.

A palavra mística tem a sua raiz na palavra MISTÉRIO = O QUE ESTÁ VELADO, OCULTO. Este mistério, para nós da Pastoral da Juventude, é o Mistério Pascal do Moreno de Nazaré, Vivo-Crucificado-Ressuscitado; é a partir dele que a nossa mística acontece, e demais nenhuma outra.

Assim também nossa espiritualidade. A palavra espiritualidade tem sua raiz na palavra ESPÍRITO = SOPRO, HÁLITO DE VIDA. É o Espírito Santo de Deus que nos faz caminhar em direção aos jovens, aos pobres, ao Povo, nas causas do Reino, inclusive no martírio.

Nossa mística e espiritualidade busca mais o sentido da Vida!

Se encaramos, se assumimos que somos apenas seres humanos, por isso mesmo, imperfeitos, devemos deixar Deus ser Deus, e daí nossa felicidade será intensa, completa.

Estamos vivendo uma crise da pós-modernidade: guerras, corrupção, violência, aumento do consumo de drogas, AIDS. Neste contexto, o retorno do sagrado é muito forte e desordenado.

Desordenado, pois vários deuses aparecem como se fossem águas represadas. E aparecem aos montes e para todos os gostos. Deuses, no plural, costuma a se equivaler a ÍDOLOS. Aqui na América Latina e no Caribe, o problema não é a falta de Deus, mas o excesso de deuses. Nós temos deuses para tudo quando é lado.

Então qual é o Deus verdadeiro?

Deus verdadeiro é o Deus desconhecido que Paulo falava!

Deuses conhecidos são feitos para satisfazer nossa imagem e semelhança, são deuses do escambo, são deuses do lucro.

Quando se conhece muito Deus, é que deixou de ser Deus, passou a ser um produto em nossas mãos.

O Deus verdadeiro é sempre desconhecido!

O Deus desconhecido se descobre no INFERNO: no inferno do sofrimento humano! No momento em que já quase não existe a dignidade humana, onde toda fiel esperança quase desaparece.

Se a mística e a espiritualidade não levam à liberdade, não é mística e espiritualidade.

Se não faz com que o ser humano possa caminhar, não tem sentido acreditar em sua existência.

O Moreno de Nazaré desce ao inferno do sofrimento humano para caminhar e abraçar o Deus Verdadeiro!

Não há outra forma de chegar a Deus se não for pelo sofrimento humano, não tem jeito. Fazer um deus segundo a própria vontade, somente irá justificar toda pequenez e egoísmo que há dentro de cada um.

Acreditar nos passos que podem e devem ser dados, um de cada vez, viver intensamente cada um desses passos é o primeiro caminho para se viver a mística e a espiritualidade da Pastoral da Juventude.

É preciso voltar às fontes primordiais de nossa fé, de nossa vida.

Melhor do que receber o copo d’água é ir a fonte!

A fonte de toda atividade profética da Pastoral da Juventude é o Moreno de Nazaré!

Deve-se tentar segui-lo na medida do possível; seus passos devem ser passos dados no cotidiano; é tentar cumprir o mandamento novo: amar a Deus como elemento fundante de uma mística e espiritualidade que brota do chão de nossos dias, que germina de nossa realidade dura e sofrida.

Os bispos diziam em Puebla (1979): “a opção preferencial pelos jovens é a mais notável tendência da vida religiosa latino-americana” , e é a mais notável tendência da vida da juventude que se coloca à disposição do Reino neste Continente da Esperança.

Jovens comprometidos com a realidade na qual se está inserido se tornam referenciais para toda a comunidade, para toda a Igreja e para toda a sociedade. Ao se afastarem de suas bases por conta de compromissos assumidos na estrutura eclesial, o elo se que quebra, se isso acontece com frequência, algo está errado na caminhada.

Um grupo de base da Pastoral da Juventude sempre reza, sempre ora, mas não esquece que toda discussão, parte de dentro para fora da Igreja, não há portas fechadas, não há línguas estranhas, nem anjos subindo ou descendo, pois se fala o que a juventude entende e compreende, não pode haver panelinhas, nem falsidades, deve prevalecer sempre: o respeito, a amizade, o diálogo e o perdão.

A mística e a espiritualidade nasce do sangue derramado pelos mártires da caminhada latino-americana e principalmente do sangue do primeiro mártir: o mártir Jesus!

A mística e a espiritualidade da Pastoral da Juventude não é para gente frouxa,não é para gente covarde; é mística e espiritualidade cristã que tem sua centralidade num ser humano, judeu, do século I E.C., um habitante das regiões do Oriente Médio, queimado de sol, agricultor, carpinteiro, contador de histórias, desde o nascimento: pobre (como a maioria dos pobres que encontramos nas ruas de nossas cidades todos os dias mas que não se dá a devida atenção).

Toda mística e espiritualidade da Pastoral da Juventude nasce de uma profunda vivência orante bíblico-litúrgica.

Como é prazeroso para um grupo de base poder degustar e refletir a Palavra de Deus a partir da realidade em que vive, usando inclusive, o método da Leitura Orante da Bíblia.

Iniciando a reunião, o encontro de irmãos, rezando o Ofício Divino: das comunidades, da juventude, dos mártires da caminhada...

Se colocando na frente de Deus, disposto a escutá-lo e saber o que Ele pede.

Todo grupo de base da Pastoral da Juventude inicia seu caminho místico, seu itinerário espiritual, a partir da Sagrada Escritura, da Sagrada Liturgia, inculturadas e encarnadas no cotidiano.

Deve construir suas experiências, escutando o que Deus fala hoje, agora mesmo.

Orar é escutar o que Deus tem a nos falar!

Orar é silenciar, mesmo no turbilhão barulhento de nossos dias!

Orar é auscultar o que a natureza-criação expressa cotidianamente!

Orar é agradecer-pedir quando todos os sentidos de nosso corpo embebedarem-se do sopro de Deus: RUAH – VIDA!

Quem está com sede quer água!

Mas beber em qual poço? Com qual vasilha? Com qual balde?

Como se está buscando esta fonte, aqui no grupo, na comunidade, na Igreja, no Brasil, na América Latina e no Caribe?

Que fonte é esta que me faz caminhar no deserto? Que deserto é este?

Que fonte é esta que me faz refletir sobre mística e espiritualidade?

Que fonte é esta que me faz praticar?

A fonte, a água, o poço: há um mistério que envolve todo o processo de procura e encontro, há algo que transcende.

A fonte Jesus é transcendente mas não está longe! Está aqui e agora. Está nas realidades mundanas nas quais existimos.

Beber em seu próprio poço: descobrir o caminho que leva de volta às alegrias-tristezas, conquistas-decepções...aquilo que busca o sentido da Vida!

Qual o sentido da tua vida?

Você faz parte da herança de Jesus de Nazaré?

Sim ou sim?







Emerson Sbardelotti

Estudante de Teologia do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo

Assessor paroquial da Pastoral da Juventude na Paróquia NS da Conceição Aparecida – Cobilândia, Vila Velha - ES