sexta-feira, 26 de agosto de 2011

TdL em Mutirão 24

"ECONOMIA PARA A VIDA": CONTRIBUIÇÕES DA TEOLOGIA PARA A CRÍTICA À IDOLATRIA.

- ENTREVISTA ESPECIAL COM JUNG MO SUNG


“Todas as sociedades produzem deuses, que são obras de ações e interações humanas que são sacralizadas, e em seu nome se funda a ordem social existente e se exige sacrifícios de vidas humanas necessários para a reprodução da ordem”. Para o teólogo Jung Mo Sung, o neoliberalismo, hoje, apresenta uma lógica idolátrica, devido à “dimensão fascinante do capitalismo global atual”. “Diante da fascinação, não basta criticar, é preciso desvelar o processo sacrificial para desmascarar a fascinação que cega”, afirma.


Nesse contexto, “a teologia tem um papel importante a cumprir na sociedade. Podemos dizer que a crítica pela teologia da fascinação da idolatria do mercado é um papel ou uma contribuição importante a dar no espaço público da sociedade e do debate acadêmico”, defende.


Nesta entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, Sung faz também uma análise das contribuições do Concílio Vaticano II, prestes a completar 50 anos de sua convocação, além das Jornadas preparatórias para o Congresso Continental de Teologia, que irá ocorrer na Unisinos, em outubro de 2012. E também explica qual a sua compreensão da importância e do significado da “teologia pública”.


Jung Mo Sung é teólogo e filósofo leigo católico. É mestre em Teologia Moral pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo – Umesp, com pós-doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Umesp. Dentre suas obras, destacamos: Sementes de esperança: a fé em um mundo em crise (Vozes, 2005, 2ª. ed.), Educar para reencantar a vida (Vozes, 2006) e Se Deus existe, por que há pobreza? (Paulinas, 2000, 3ª. ed.).


Confira a entrevista.


IHU On-Line – Qual é a importância de celebrar os 50 anos do Concílio Vaticano II? A partir dessa data especial, quais são os principais desafios que a igreja precisa discutir no atual momento histórico?


Jung Mo Sung – Uma pessoa sabe quem ela é a partir da sua memória. Quando sofre amnésia e perde completamente a memória, perde também a sua identidade, não sabe quem é, e assim não consegue compreender o seu presente e nem consegue pensar no seu futuro. Assim também funciona para instituições ou igrejas. É claro que nenhuma instituição sofre de amnésia total, mas, de forma semelhante às pessoas, a sua memória é conformada de modo seletivo. Guardamos certos fatos e esquecemo-nos de outros. Esquecer é fundamental na formação da memória e, portanto da identidade, porque não é possível guardar na memória todos os fatos. Perdoar, por exemplo, é um exercício de esquecimento.


Se sabemos quem somos a partir da nossa memória, o processo de seleção desta memória impacta não somente na identidade, mas na forma como compreendemos o presente e as tarefas e objetivos para o futuro. Assim sendo, esquecer ou lembrar-se de certos fatos ou acontecimentos do passado da Igreja Católica influencia o modo como esta igreja compreende o seu presente e os desafios do seu futuro. Por isso, celebrar os 50 anos do Concílio ou não e como se celebra são opções importantes na “organização” da memória da Igreja e, portanto, da sua identidade e do seu futuro.


Dito isso, podemos dizer que o primeiro desafio consiste na luta pela interpretação do Concílio na história recente da Igreja, pois a memória é sempre constituída de reinterpretação de fatos passados. Interpretado como uma abertura da Igreja ao Espírito de Deus e às realidades do mundo moderno, eu penso que a celebração dos 50 anos de Concílio nos coloca, em primeiro lugar, o desafio de repensar o próprio conceito de modernidade ou de mundo moderno que esteve presente no Concílio e ainda está em muitos documentos e textos teológicos de hoje.


A modernidade foi compreendida como emancipação humana, racional e secularizada, quando na verdade apresenta duas faces aparentemente contraditórias. A proposta de emancipação humana baseada na razão veio acompanhada de colonização e escravização da população do mundo não europeu ocidental. A racionalidade moderna justificou a irracionalidade da matança e exploração de centenas de milhões de pessoas em nome do progresso e civilização. Franz Hinkelammert chama a racionalidade moderna de “racionalização do irracional”.


Além disso, a dita secularização não significou negação completa da religião ou do sagrado, mas o deslocamento do sagrado para a esfera do mercado, no capitalismo, e Estado no comunismo. Na crítica teológica ao capitalismo, isso foi chamado de “idolatria do mercado”.


A compreensão da modernidade como racional e secularizada traz para a Igreja o desafio de justificar a fé diante da razão e a religião diante do mundo secular. A compreensão mais crítica do mundo moderno traz o desafio de criticar teologicamente a idolatria que explora e mata, ou não permite a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo, além da degradação ambiental, em nome de um novo tipo sagrado. Como todo sagrado, este Império global que está se formando com a globalização econômica fascina e atrai ao mesmo tempo em que gera medo.


Hoje, especialmente o medo de ser expulso da globalização.


Diante do mundo assim, a Igreja Católica, que celebra os 50 anos do Concílio como abertura ao Espírito de Deus e “às alegrias e esperanças” e também aos sofrimentos do mundo, deve assumir o desafio de encontrar formas concretas mais eficientes de testemunhar o amor de Deus junto aos pobres e vítimas deste sistema imperial global.


IHU On-Line – Quais são as temáticas eclesiais ou teológicas que requerem uma mudança para que se dê continuidade ao espírito do Concílio Vaticano II?


Jung Mo Sung – Eu penso que uma das grandes novidades do Concílio foi tentar superar a noção de a Igreja ser ou estar “separada” do mundo que se fortalece no mundo moderno. A visão do mundo dividido em religioso e secular é uma criação do mundo moderno, pois antes tudo estava sob o “manto” do religioso; a vida em sua integralidade era explicada a partir do senso religioso. Com a emergência da modernidade e da separação entre Estado e Igreja, a secularização, surgiu o “espaço público” que ficou fora do controle ou da esfera do religioso, que ficou mais restrito ao campo da vida privada.


Uma das reações da Igreja foi a de se valorizar como uma instituição “separada” por Deus que tinha como função a salvação das almas das tentações e perigos do “mundo”; isto é, o caminho da salvação consistia em “sair” do mundo, ou pelo menos não se intrometer demasiadamente nos problemas do mundo. Por isso, a religião se via como não tendo relação com a política. E o clero, com o seu celibato, era uma expressão social visível desta teologia.


O Concílio procura superar esse dualismo Igreja/mundo, assumindo que as alegrias e esperanças do mundo também são as da Igreja e desenvolve também uma eclesiologia que procura superar a divisão interna das pessoas “separadas”, consagradas, sagradas, das pessoas comuns. E propõe uma visão da Igreja como Povo de Deus, dentro do qual todos os seus membros são iguais no Batismo, com diferentes serviços ou ministérios.


Para dar continuidade e aprofundamento neste caminho ou espírito, eu penso que é fundamental retomarmos o debate teológico em torno da Igreja como Povo de Deus a serviço do testemunho da presença do Reino de Deus no mundo. Superar a teologia da “separação”, teologia centrada na noção do sagrado. Pois, sagrado é aquilo que foi separado do mundo profano. Cristianismo não é uma religião que anuncia um novo sagrado, um sagrado mais poderoso do que outros; pelo contrário, anuncia que Deus se esvaziou do seu poder e se encarnou, entrou no mundo, na forma de um ser humano.


IHU On-Line – Passados 40 anos desde a obra seminal de Gustavo Gutiérrez, como a Teologia da Libertação deve ser compreendida hoje? De que libertação falamos no contexto contemporâneo, que não é mais o mesmo de 40 anos atrás?


Jung Mo Sung – Eu penso que é fundamental retomarmos as novidades fundamentais da Teologia da Libertação – TdL que a diferenciaram de outras teologias políticas ou progressistas da época. A principal novidade da TdL não consistiu em falar dos pobres ou da inserção política dos cristãos na sociedade, mas na sua “ruptura epistemológica”, na sua metodologia e princípios teóricos que norteiam o fazer teologia.


O primeiro elemento desta ruptura foi a relação práxis/teologia. A TdL se propôs a fazer sua reflexão teológica a partir e sobre problemas das práxis de libertação. A TdL não quis reler todos os tratados teológicos a partir dos pobres – como alguns pensam ainda hoje –, mas refletir e dar respostas e pistas de ação para perguntas que vinham das lutas diante de uma realidade tão injusta. Infelizmente, muitos dos livros considerados de TdL não explicitam qual problema ou pergunta que surge da realidade e das práticas que estão tentando elucidar.


O segundo elemento foi a ruptura com a noção de que existe uma abordagem universal ou neutra na busca da verdade ou das verdades na teologia ou em outras áreas de saber. A opção pelos pobres, além de ser uma opção que norteia a condução das práticas pastorais, é uma afirmação de que, em situações de opressão, não há um ponto de vista neutro ou universal para interpretar a realidade e a fé; e que a perspectiva bíblica é a perspectiva dos pobres ou das vítimas das relações de dominação.


Um terceiro elemento tem a ver com a noção de libertação que foi colocada na pergunta. No início da TdL, a noção de libertação era bem concreta; falava-se da libertação das relações de dependência no campo da economia política internacional e nacional. Na medida em que a TdL refletia as questões das lutas sociais, a noção de libertação era entendida de uma forma bem “encarnada”, dentro das possibilidades históricas. Com o passar do tempo, começou a predominar a noção de libertação como a passagem para um mundo “sem dominação e injustiça, um mundo de plena harmonia”. Isto é, uma noção abstrata de libertação que pressupõe a libertação de todas as contradições humanas e de todos os conflitos e problemas inerentes a todas as sociedades humanas. No fundo, a libertação passou a significar a “construção do Reino de Deus em plenitude” no interior da história. Com isso, perdeu-se a concretude histórica que se pretendeu no início da TdL com o diálogo com as ciências do social.


É claro que há outros elementos importantes nessa teologia, como a necessidade da “libertação da teologia” (a autocrítica da teologia, da Igreja, da religiosidade dos pobres, incluindo as CEBs) para que possa haver a teologia da libertação; mas o espaço aqui não permite alongar muito esse tema.


Para terminar a resposta a esta pergunta, eu penso que é importante repensarmos o próprio conceito de libertação antes de responder libertação do “quê” falamos hoje. Em outras palavras, repensar a relação entre a libertação, liberdade e a condição humana.


IHU On-Line – A partir dos debates da Jornada Teológica do Cone Sul e do Brasil, que ocorreram em junho, por onde anda a teologia hoje? Que questões centrais foram debatidas?


Jung Mo Sung – A Jornada Teológica que ocorreu em Santiago, Chile, precisa ser entendida dentro da realidade da Igreja Católica chilena. Não foi uma jornada de especialistas discutindo ou avaliando a situação da TdL hoje, mas foi um encontro que serviu mais para ser um “sinal dos tempos” na Igreja de Chile, que passa por dificuldades. Isto é, um evento que reuniu diversos setores da Igreja chilena para discutir temas que giravam fundamentalmente em torno do testemunho profético da Igreja na realidade social. Por isso, não é possível dizer por onde anda a teologia hoje a partir daquela jornada. Para interessados em mais detalhes sobre a jornada, vale a pena conferir o sítio que contém também textos discutidos lá: www.jornadasteologicas.cl.


IHU On-Line – O espaço dos leigos e leigas – especialmente mulheres – na Igreja continua sendo reduzido. A que “paradigma” esse fenômeno está associado? Que mudanças são necessárias para uma nova eclesiologia, menos clericalista?


Jung Mo Sung – Eu penso que o ponto nevrálgico na discussão de um novo modo de compreender a estrutura interna da Igreja está na articulação entre dois temas: a missão da Igreja no mundo e a tradição como parte da revelação.


Setores da Igreja Católica que reivindicam mudanças estruturais que ofereçam mais espaço de atuação e decisão para laicato (homens e mulheres) e possibilidade de ordenação das mulheres se fundamentam em dois pontos:


a) a missão da Igreja no mundo como testemunho profético capaz de questionar a sociedade e, por isso, a necessidade de adequações internas para fazer jus a este papel profético;


b) uma leitura da Bíblia que não se reduz a repetição das regras existentes no tempo bíblico, mas a que se utiliza da hermenêutica para “atualizar” o espírito da Bíblia nos dias de hoje.


Setores que se opõem a essas mudanças têm uma concepção da missão que se funda mais na “separação” do mundo ou na salvação eterna das almas, que têm pouco a ver com o testemunho profético. Além disso, esses setores costumam compreender a tradição da Igreja – incluindo aqui toda a história da conformação das estruturas institucionais e hierárquicas – como parte do processo de revelação da vontade de Deus no mundo.


Sendo assim, a modificação na relação clero/laicado e a ordenação das mulheres são vistas como contrárias à verdade revelada e guardada pelo magistério da Igreja.


Por isso, penso que a mudança eclesiológica pressupõe uma mudança na compreensão da relação entre a verdade revelada e a Igreja. O que implica em um debate teológico e mudança cultural muito interessante e difícil.


Mudanças profundas em instituições seculares como a Igreja Católica são resultados de dois movimentos: um interno, a partir de uma nova compreensão de si e da sua missão, que é fruto de uma luta interna em termos de debate teológico-ideológico e de relações força entre os grupos; e a pressão do contexto onde está localizada.


O crescimento de religiões não cristãs, como o islamismo, e principalmente de Igrejas evangélicas e pentecostais pode ser um fator de pressão para mudanças. Quando ficar mais claro que as respostas tradicionais não são capazes de fazer frente às novidades e pressões do contexto social e religioso, haverá mais espaço para mudanças desejadas por grupos internos que hoje não são hegemônicos.


IHU On-Line – Em sua opinião, qual é o espaço e a importância de uma “teologia pública”?


Jung Mo Sung – Eu penso que há dois tipos de compreensão quando se fala da “teologia pública”. O primeiro é no sentido de que a teologia e a Igreja têm ou devem ter um papel ou uma contribuição a dar na “esfera pública”. Uma visão mais ampla e mais “neutra” da teologia política ou TdL, na medida em que inclui na esfera pública a sociedade civil, além da esfera da política no sentido estrito. Eu usei o termo “neutro” para dizer que o fato de se assumir como teologia pública não conota necessariamente nenhum posicionamento ideológico ou político definido. Há autores da teologia política que são mais conservadores ou mais “liberais” (no sentido norte-americano) ou progressistas.


O segundo é a compreensão da teologia pública como uma presença pública da teologia nas universidades, dialogando com as ciências em geral. É uma forma de a teologia sair do “gueto” dos seminários ou faculdades de teologia e participar de forma amadurecida no âmbito da academia. Seria uma forma de superar a preconceito contra a teologia que surgiu após o Iluminismo.


Eu penso que esses dois tipos de compreensão da teologia pública são úteis e podem contribuir no diálogo e na inserção das igrejas cristãs na sociedade hoje. Mas “teologia pública” por si só não define suficientemente os pressupostos epistemológicos e opções éticas de cada corrente interna. Por isso, penso que é preciso adjetivar a expressão, como, por exemplo, “teologia pública neo-ortodoxa” ou “teologia pública profética”.


IHU On-Line – As novas tecnologias digitais mudaram os espaços, os tempos, os conceitos de comunidade, pertença etc. Como essa realidade se reflete (ou não) no campo teológico e pastoral?


Jung Mo Sung – A vida e os relacionamentos das pessoas e das comunidades estão marcados profundamente pela noção de tempo e espaço. Na medida em que novas tecnologias estão criando novo tipo de espaço, o espaço virtual, que permite, por exemplo, redes de relacionamentos que ultrapassam limites do espaço geográfico, elas modificam também a noção de tempo e assim a própria noção de pertença e do que é importante na vida.


Com certeza, essas modificações estão afetando a pastoral, mas ainda há poucas pesquisas e reflexões teológicas sobre isso. Como disse antes, a TdL deve se ocupar com temas e problemas que surgem das práticas pastorais sociais e, portanto, este deveria ser um tema urgente.


Deixe-me dar um pequeno exemplo como provocação para reflexões. Através de redes sociais estão surgindo comunidades virtuais de cristãos, com pessoas de diversas partes do mundo, em torno de visões teológicas ou religiosas convergentes. É claro que comunidades virtuais não possibilitam a experiência de “face a face”, que é fundamental na experiência comunitária. Todavia, elas permitem que pessoas que se sentem isoladas, seja porque vivem longe da sua comunidade de pertença original ou porque não aceitam a teologia ou a linha pastoral da sua igreja local, se vejam pertencendo ao que poderíamos chamar de versão tecnológica da “comunhão dos santos”. Há muitas pessoas que usam, por exemplo, Twitter como um “púlpito” para a divulgação de mensagens ou de pensamentos teológicos.


IHU On-Line – Em sua fala na Jornada Teológica, o senhor abordou as referências no âmbito econômico de conceitos religiosos ou teológicos como dogmatismo, fundamentalismo, sacralização do mercado, sacrifícios. O que isso revela a respeito da sociedade contemporânea?


Jung Mo Sung – Na verdade, eu citei autores fora da teologia, especialmente da área da economia e administração de empresas que usam esses termos religiosos para falar das práticas e teorias no campo econômico e das empresas. Este tipo de pesquisa e reflexão começou já na década de 1970, na TdL, com autores como Franz Hinkelammert e Hugo Assmann e eu tenho participado disso desde 1988.


A constatação do uso de termos religiosos e teológicos no campo da economia não é um acaso ou um simples uso de metáforas sem importância na economia. Este uso constante de termos e símbolos religiosos para sintetizar lógicas, práticas e cosmovisões econômicas revela que o mundo moderno não é não religioso. Pelo contrário, não se pode compreender o mundo moderno se não levar em consideração o fato de que ele se levanta contra o mundo feudal com a pregação de uma boa nova: a libertação humana pelo avanço tecnológico e econômico. Só que essa salvação, como toda religião, exige sacrifícios. A economia capitalista não nega a soteriologia da cristandade medieval, mas a modifica. Agora os sacrifícios necessários para a salvação são exigidos em nome do mercado. É por isso que os ideólogos e defensores do capitalismo se dão bem que setores conservadores das igrejas que defendem que não há salvação sem sacrifício.


Em resumo, o mundo moderno não é secularizado no sentido antirreligioso, mas é idólatra. Karl Marx e Max Weber já apontaram para esse aspecto do capitalismo.


IHU On-Line – Em sua crítica ao neoliberalismo, o senhor usa termos como “ídolo” e “idolatria”. Em que sentido?


Jung Mo Sung – Um dos conceitos teológicos fundamentais da Bíblia, se é que podemos dizer que é um conceito no sentido mais técnico, é o da idolatria. Todas as sociedades produzem deuses, que são obras de ações e interações humanas (objetos ou instituições) que são sacralizadas, e em seu nome se funda a ordem social existente e se exige sacrifícios de vidas humanas necessários para a reprodução da ordem.


Os profetas perceberam isso e desvelaram e criticaram esse processo de produção de deuses, os ídolos. Em oposição a ídolo, que se caracteriza por exigir sacrifícios de vidas humanas, a Bíblia nos apresenta Deus que não quer sacrifícios, mas misericórdia. Os seguidores de Deus misericordioso podem doar suas vidas por amor, na liberdade, mas não se sentem coagidos entregando suas vidas em sacrifício.


Um aspecto que é importante na crítica à idolatria é que o ídolo é sempre visto como deus por seus adoradores e, por isso, fascina e atrai. Quando digo que o neoliberalismo apresenta uma lógica idolátrica estou também querendo apontar para a dimensão fascinante do capitalismo global atual. Diante da fascinação, não basta criticar; é preciso desvelar o processo sacrificial para desmascarar a fascinação que cega. Nesta tarefa, a teologia tem um papel importante a cumprir na sociedade. Voltando ao tema da teologia pública, podemos dizer que a crítica pela teologia da fascinação da idolatria do mercado é um papel ou uma contribuição importante a dar no espaço público da sociedade e do debate acadêmico.


IHU On-Line – Para o senhor, a vida econômica hoje é percebida como uma religião, e o neoliberalismo, como uma nova religião econômica. É possível uma “outra economia”, justa e eticamente regulada? Sobre que parâmetros estaria assentada?


Jung Mo Sung – Uma ideia ampla como “economia justa e eticamente regulada” nos ajuda a pensar na superação da economia capitalista que conhecemos hoje. Mas, ao mesmo tempo, não é muito operacional e não oferece muitas pistas concretas para formular os pontos principais de uma “outra economia”. Isso porque entramos em uma discussão sem fim sobre o que é “justo” e “ético”; só para depois entrarmos na discussão de como ética pode regular economia.


Economia é o campo da produção e distribuição de bens materiais e simbólicos necessários para a reprodução da vida humana. Não basta que uma economia seja justa e ética – não importa aqui o que se entende por isso –, se não produz o suficiente para a reprodução da vida de toda a sociedade. Por isso, eu prefiro a proposta por Franz Hinkelammert de discutirmos em torno da “economia para a vida”. Esta expressão remete a Jo 10, 10, “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”, e se opõe a economia capitalista que é pensada para o crescimento econômico e acumulação do capital.


Economia para a vida implica também na preservação do meio ambiente, que é condição de vida, e na vida de todas as pessoas. Aqui estamos falando de vida corporal, a única que temos e podemos cuidar de fato – pois a vida eterna é graça de Deus.


O grande desafio para quem luta por uma sociedade mais justa e humana, onde todas as pessoas tenham a oportunidade e possibilidade de ter uma vida digna e prazerosa, é responder à pergunta: como será a nova forma de coordenação da divisão social do trabalho?


Uma característica das economias não simples é o fato da fragmentação do processo produtivo. Isto é, ninguém ou nenhum grupo pequeno produz todos os bens necessários para a sua sobrevivência. Com isso, cada um faz uma parte do trabalho necessário e há a necessidade de coordenação desses trabalhos ou processos fragmentados. O comunismo propôs, como alternativa ao capitalismo, o modelo de planejamento centralizado pelo Estado. A experiência histórica nos mostrou que esse caminho é ineficiente porque é impossível conhecer de modo eficaz todos os elementos da economia para esse planejamento. O neoliberalismo propõe que o mercado seja o único ou principal instrumento de coordenação da divisão social do trabalho.


A luta por uma “economia justa” ou uma “economia para a vida” passa necessariamente por este desafio de pensarmos uma forma alternativa dessa coordenação. Propostas econômicas alternativas no âmbito de unidades produtivas (por exemplo, empresas na linha da “economia de comunhão”) ou em âmbitos microrregionais ou marginais ao mercado global (por exemplo, muitas experiências de economia solidária) são importantes e ajudam muito na vida concreta do povo. Mas, em termos de outro sistema econômico, não há como evitar o tema dessa coordenação.


A princípio, podemos dizer que há sim alternativa ao capitalismo, pois ele não é eterno, mas não será solução perfeita ou definitiva.



Fonte: Entrevista feita por Moisés Sbardelotto para http://www.ihu.unisinos.br/

TdL em Mutirão 23

PROCESSO E ESTADO ATUAL DA TEOLOGIA LATINOAMERICANA E SUA RELAÇÃO COM O MUNDO DOS JOVENS


 
I. CONSIDERAÇÃO INICIAL

 
Entre os vários tipos de teologia na América Latina, privilegiaremos a teologia da libertação. Seu método se define por duas coordenadas: partir da opção pelos pobres e pensar-se como práxis libertadora.

 
II. DESAFIOS

 
Os maiores desafios lhe vêm na linha de ampliar suas relações com as novas exigências atuais: valorização da subjetividade, a religiosidade indígena, negra e pós-moderna, o movimento feminista, a nova cosmologia, as exigências ecológicas e os novos pobres. Para essa exposição, atenderemos de modo especial os questionamentos levantados pelos jovens pós-modernos.

Outro tipo de desafio surge da queda do socialismo e da gigantesca crise do neoliberalismo na linha de encontrar um caminho alternativo. Em que a teologia e os cristãos podem colaborar na criação de novo paradigma?

 
III. NOVOS TEMAS CENTRAIS DA TEOLOGIA

 
L. Boff formulou de modo perspicaz e mordente o tema central da teologia latinoamericana sob a forma de grito. O grito fundamental, universal e primeiro vem da Terra. Se esta morre, todos morremos juntos. Cabe fazer rápido diagnóstico da situação ecológica para pensar na construção de numa teologia libertadora da criação.

Dos pobres, brota um segundo grito. A realidade do pobre necessita ser refletida em outra perspectiva que a dos primeiros anos da teologia da libertação, sobretudo em relação com uma sociedade do conhecimento.

Outros desafios surgem da parte do fenômeno religioso, do crescimento da consciência de etnia, da reivindicação da mulher e da crise de valores.

 
IV. RESPOSTAS AOS JOVENS PÓS-MODERNOS

 
Finalmente, na última parte trataremos do desafio à teologia vinda da parte dos jovens. Distinguimos nos jovens pós-modernos quatro tendências, que podem combinar-se de diferentes maneiras. Há uma tendência que considera a vida um sucesso continuo. Outra assinala antes o caráter de desilusão. Cresce também um forte lado religioso. E não falta a presença do traço de compromisso crítico e libertador numa sociedade de tanta injustiça.

A conclusão deixa o jovem diante das múltiplas possibilidades de viver e agir como cristão. A evangelização pode salientar mais um aspecto que o outro. E isso se faz objeto da discussão.

 
DINÂMICA

 
1. Que elementos fundamentais decorrem da palestra no referente à compreensão do jovem pós-moderno e sua relação com a teologia da libertação?

2. Que percebo na minha experiência pessoal e grupal de jovem pós-moderno que responde ou se distancia da teologia da libertação?

 
João Batista Libânio - teólogo

TdL em Mutirão 22

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: VIVA E ATUANTE

A Teologia da Libertação é, por um lado, uma teologia polêmica, mal com­preendida, difamada e condenada e, por outro, uma teologia saudada como a primeira produção teórica nascida na periferia do cristianismo, que apresenta um novo modo de fazer teologia, a partir dos pobres e contra a sua pobreza, profética e com um apelo à consciência ética da humanidade, por colocar no centro de sua preocupação a sorte das grandes maiorias condenadas à miséria e à exclusão por causa das minorias nacionais e internacionais insensíveis, cruéis e sem piedade.

Por isso, membros da Teologia da Libertação, desde os anos 70, desapareceram ou foram perseguidos, presos, torturados e assassinados: bispos, padres, teólogos, religiosos e religiosas, leigos, jovens, homens e mulheres. A causa conquistou, em razão de sua dignidade, admiração e respeito de espíritos generosos do mundo inteiro.

Nascida no final dos anos 60 do século passado, ela continua viva e atuante, especialmente na América Latina, na Ásia, na África e em vários centros da Europa e dos Estados Unidos.

Na esteira das rebeliões dos anos 60

A Teologia da Libertação deve ser entendida na esteira das rebeliões jovens que irromperam em muitas partes do mundo a partir de meados dos anos 60 do século 20. Tratava-se de criticar as instituições tradicionais como a família, o Estado burocrático e a cultura dominante por seu caráter autoritário e centralizador. Criou-se uma cultura da liberdade e da criatividade. Como as Igrejas estão dentro do mundo, foram também elas perpassadas por esse ar libertador. Daí se explica, em parte, a Teologia da Libertação.

Simultaneamente, na América Latina os pobres invadiam a cena política com movimentos organizados, dos quais participavam muitos cristãos. Estes se perguntavam: em que medida o cristianismo, junto com outros, ajuda a libertar a humanidade, e não é um simples fator de acomodação e de legitimação do status quo? Formulado em termos teológicos: “Como anunciar que Deus é bom em um mundo de miseráveis?”.

Só podemos anunciá-lo de forma convincente e crível se mudarmos este mundo de ruim em bom. Então, temos uma mediação histórica que torna verossímil crer na bondade de Deus. Caso contrário, vivemos uma fé alienada e estéril. Ao contrário, a própria fé no Deus bíblico nos fornece motivações para transformar este mundo, pois Ele se revelou como aquele que escuta o grito dos oprimidos no Egito e abandonou sua transcendência e desceu à terra para libertá-los.

Vale ainda lembrar o significado do Concílio Vaticano II (1962-1965), que criou um espírito de aggiornamento e a mobilização que representavam figuras proféticas como Dom Helder Câmara no Brasil e o bispo Larrain no Chile. Eles cedo entenderam que o nosso subdesenvolvimento era a outra face do desenvolvimento dos países centrais e que isso representava uma dinâmica de opressão que deveria ser rompida. À opressão contrapunham a libertação. Assim nascia o termo e sua alta significação política e religiosa.

Tendências da Teologia da Libertação

Desde o início se entendeu que o sujeito dessa libertação seria o próprio pobre quando conscientizado, organizado e disposto a se engajar em favor de mudanças sociais. Fundamental para essa compreensão foi Paulo Freire, com sua “pedagogia do oprimido” e a “educação como prática da liberdade”. Ele mostrou que o pobre não é um pobre, mas um empobrecido, feito pobre por relações econômico-sociais que o oprimem. Não é um ignorante, mas produtor de outro tipo de cultura e portador de força de transformação social. Se a libertação não for resultado da luta dos próprios oprimidos, nunca será verdadeira libertação. As Igrejas e outros grupos poderão e deverão ser seus aliados, mas jamais os protagonistas.

Por essa razão, a marca registrada da Teologia da Libertação é a opção pelos pobres, contra sua pobreza e em favor de sua vida e liberdade. Se os pobres são oprimidos, eles o são de muitas maneiras: pela opressão econômica que os faz carentes e excluídos; pela opressão racial que atinge os negros; pela opressão étnica que afeta os índios; pela opressão sexual que diz respeito às mulheres submetidas ao patriarcalismo desde o neolítico (há 10 mil anos) etc.

Para cada opressão específica se elaborava sua correspondente libertação. Assim, surgiu uma Teologia da Libertação feminina, negra, índia e, nos últimos anos, ecológica. Entendeu-se que a Terra é tão ou mais explorada que os pobres. Por isso ela deve ser inserida na opção pelos pobres contra a pobreza, especialmente agora que está ameaçada pelo aquecimento global.

Método e prática libertadora

A palavra primeira da Teologia da Libertação é a prática. No início de tudo estão os movimentos sociais ativos. Depois vem o fenômeno da Igreja da Libertação, que se expressa pela troca de lugar social de seus agentes: o bispo abandona seu palácio, padres, religiosos e religiosas vão morar nos meios populares, teólogos combinam o trabalho acadêmico com a inserção no movimento popular. Surgem as comunidades eclesiais de base, a leitura popular da Bíblia e as várias pastorais sociais, por terra, por teto, pelo índio, pelo negro, pela saúde e outras. Esse ensaio funda uma verdadeira eclesiogênese, o nascimento de um novo modelo de Igreja. Após essa diligência, entra a Teologia da Libertação como momento de reflexão e crítica de tais práticas.

Ela utiliza um método que possui algo de revolucionário. Parte primeiramente da percepção da realidade em suas várias dimensões (ver), e aí se identificam quais são os desafios principais. Aqui surgem as questões relevantes que movem o povo. Em segundo lugar, faz-se o juízo crítico dessa realidade (julgar) à luz das Escrituras, da teologia e da grande tradição da fé; então se discernem os momentos de graça e de pecado da realidade e se realçam os pontos que devem ser transformados. Por fim, vem o compromisso efetivamente libertador (agir) com a definição das estratégias, a distribuição das tarefas e o trabalho concreto sobre a realidade.

Esse método é o mais temido e combatido pelo Vaticano, pois atinge exatamente o ponto mais fraco de todas as suas intervenções: de serem autoritárias, escritas em grupos fechados, afastadas da realidade, dedutivistas e meramente doutrinais, geralmente desgarradas dos processos históricos. Esse método desafia as demais correntes teológicas a não serem meros produtos de consumo interno dos cristãos, mas momentos de reflexão das questões relevantes da humanidade, sob risco, caso contrário, de não escapar da pecha de alienação e de cinismo histórico.

Os dois documentos do Vaticano, de 1984 e 1986, um condenatório e outro mais positivo, deram crédito aos detratores dessa teologia, pois isso convinha à visão burocrática do Vaticano, refratária a qualquer mudança. Por isso os teólogos não se sentiram aí representados. O efeito de tais intervenções foi parco, pois os pobres do mundo aumentaram, o que reforçou a urgência dessa teologia, praticada nas Igrejas que articulam fé e justiça e dão centralidade aos pobres. Os dois Fóruns Mundiais da Teologia da Libertação, o de Porto Alegre (2005) e o de Nairóbi (2007), mostraram sua vitalidade em todos os continentes.

Questões relevantes em discussão

Cada continente elabora questões específicas na ótica da libertação. Na América Latina, há uma forte corrente que discute a relação da economia de mercado com a ética e as novas formas de dominação global. Crescente é a preocupação ecológica, pois sabe-se que o futuro da vida no planeta passa pela forma como trataremos a Amazônia.

Na África, continua atuante a questão da aculturação. Reivindica-se o direito que tinham os primeiros cristãos de assumirem as matrizes das culturas em presença de onde resultou o cristianismo atual. As culturas africanas não são ocidentais nem cartesianas; elas podem conferir outro rosto ao cristianismo.

Na Ásia, a grande questão é o diálogo inter-religioso. Em que medida Jesus se relaciona com os grandes mestres das grandes tradições do Oriente? Eles também não seriam figurações da dimensão “Cristo” que não pode ser monopolizada por Jesus de Nazaré?

Concluindo, cabe dizer: o importante não é a Teologia da Libertação, mas a libertação histórica dos oprimidos.


Leonardo Boff - Teólogo

Fonte: http://www.leonardoboff.com/

terça-feira, 23 de agosto de 2011

TdL em Mutirão 21

ESPIRITUALIDADE E MÍSTICA A PARTIR DE UMA REALIDADE PÉ-NO-CHÃO!

 
A Pastoral da Juventude trabalha a espiritualidade e a mística dos grupos de base a partir da realidade em que estão inseridos: uma realidade pé-no-chão!

O que diferencia a espiritualidade e a mística da PJ da dos Movimentos Religiosos?

Os Movimentos Religiosos trabalham a espiritualidade e a mística sem um compromisso com a realidade do grupo de jovens, com o que esteja acontecendo ao redor, é uma espiritualidade e mística de fora para dentro da Igreja, de portas fechadas!

A PJ trabalha a espiritualidade e a mística a partir da experiência do(a) jovem, na base, no bairro, no município, no estado, no país, no continente e no mundo, um abraço no Planeta Terra como ser vivente, leva em consideração tudo o que acontece ao redor, é mística e espiritualidade da libertação, começa de dentro para fora da Igreja, sempre de portas abertas.

 
A palavra espiritualidade tem sua raiz na palavra ESPÍRITO (ruah - em hebraico - Gn 2,7).

A palavra mística tem sua raiz na palavra MISTÉRIO (mysterion - em grego - Mc 4,11; 1Cor 2,1.7; Cl 1,27; Ef 1,9).

 
Espírito e Mistério são palavras que se completam, e no nosso caso, estão estritamente ligadas ao Mistério Pascal de Jesus e ao Espírito Santo de Deus que nos impulsiona e encoraja na caminhada cotidiana, de conversão, de recuos e avanços.

Espiritualidade e mística, se não forem sentidas e bem usadas, se tornam fuga.

E o que mais acontece hoje em dia é a fuga.

A juventude se deixa induzir por várias correntes de pensamento, pela mídia, pelos Movimentos Religiosos a não mais assumir compromissos no campo político e social, em não mais defender a justiça e anunciar a vida. É uma juventude que prefere esperar no seu canto, alienada, erguendo e balançando as mãos, que outros jovens e até mesmo, os adultos, resolvam por eles, problemas que possam surgir, na maioria das vezes, transferem para Deus esta responsabilidade. É a fuga!

 
MAS AFINAL, O QUE É ESPIRITUALIDADE E MÍSTICA?

 
O teólogo Leonardo Boff parafraseando Sua Santidade, O Dalai Lama diz: "Espiritualidade é aquilo que produz dentro de nós uma mudança. O ser humano é um ser de mudanças..."

Tenho dito nos grupos em que presto assessoria que: "Mística é o fio condutor, uma linha invisível que une a memória e os sonhos, que une a história e a utopia, que une o passado e o futuro e que faz do presente uma grande festa. Uma grande celebração".

 
Seguindo os passos de Jesus, tento lançar as redes em águas mais profundas e ousando olhar para a frente, penso em um Programa de Espiritualidade e Mística que aborde:

 
PROJETO 01: FORMAÇÃO E VIVÊNCIA BÍBLICA E LITÚRGICA.

 
* Incentivar o uso da Bíblia (primeiro a de linguagem popular pastoral depois a de estudo).
* Realizar o método da Leitura Orante da Bíblia.

* Incentivar e fortalecer a formação sistemática, aproveitando as experiências.

* Realizar escolas, oficinas, encontros em parceria com entidades como o CEBI e a REDE CELEBRA.

 
PROJETO 02: EXPRESSÕES E VIVÊNCIAS DA ESPIRITUALIDADE E DA MÍSTICA.

* Celebrar a memória dos mártires e das lutas populares.

* Incentivar e valorizar o Ofício Divino das Comunidades (com grupos de jovens: Ofício Divino da Juventude).

* Preparar e realizar acampamentos juvenis inspirados em temas bíblicos.

 
PROJETO ESPECÍFICO:

PROJETO O1:

* Formação Litúrgica (incentivar a continuação das escolas litúrgicas e outras atividades: oficinas, cursos).

 
PROJETO O2:

* Formação Bíblica (divulgar e fortalecer as escolas bíblicas, as escolas de teologia para leigos/as, organizar cursos referentes ao estudo de introdução ao Primeiro e Segundo Testamento, para iniciantes e para quem está na caminhada).

 
Mas quais são os passos para fazer um itinerário na espiritualidade e na mística da PJ?

 
* Primeiro passo: FAZER SILÊNCIO.

- O(a) jovem deve perceber que é no silêncio que Deus se revela a nós e nós nos revelamos a Ele; entender que ao calarmos nossas vozes interiores e exteriores, todo o nosso ser se cala e aguçam-se nossos sentidos na escuta daquele que vem.

 
* Segundo passo: PEDIR HUMILDEMENTE A AJUDA DO ESPÍRITO SANTO.

- É necessário pedir ao Pai que mande o seu Espírito. Pois, sem esta ajuda do Espírito de Deus, não é possível descobrir o sentido que a Palavra de Deus tem para o seu povo hoje.

 
* Terceiro passo: A LEITURA ORANTE DA BÍBLIA.

O(a) jovem deve subir os degraus:

- primeiro degrau: A LEITURA - o que o texto diz em si?

- segundo degrau: A MEDITAÇÃO - o que o texto diz para mim, para você?

- terceiro degrau: A ORAÇÃO - o que o texto me faz dizer a Deus?

- quarto degrau: A CONTEMPLAÇÃO - ver o mundo em que vivemos com os olhos de Deus, saboreando o jeito de ser e agir de Deus; o quanto Ele é bondoso e o que faz para nós.

 
* Quarto passo: A REZA DO OFÍCIO DIVINO DAS COMUNIDADES.

 
* Quinto passo: O CONTATO COM A LITERATURA ESPECIALIZADA SOBRE O TEMA .

- Indico algumas obras importantes para o crescimento pessoal e grupal:

 
BOFF,Leonardo. Espiritualidade - Um Caminho de Transformação. 2a. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

BOFF,Leonardo, BETTO,Frei. Mística e Espiritualidade. 4a. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

CASALDÁLIGA,Pedro, VIGIL,José Maria. Espiritualidade da Libertação. 4a. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

CASALDÁLIGA,Pedro. Juventude com Espírito. São Paulo: CCJ, 1996.

___________________. Nossa Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1998.

GALILEA, Segundo. Caminho de Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1981.

GUTIÉRREZ,Gustavo. Beber em seu próprio poço. São Paulo: Loyola,2000.

TAVARES, Emerson Sbardelotti. O Mistério e o Sopro - roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.



Emerson Sbardelotti

 
Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO - ROTEIROS PARA ACAMPAMENTOS JUVENIS E REUNIÕES DE GRUPOS DE JOVENS. Brasília: CPP, 2005.

 
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
 
Estudante do Curso Superior em Teologia pelo Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo - IFTAV.
 
Coordenador do Instituto Capixaba de Juventude do Estado do Espírito Santo - ICJ-ES.

TdL em Mutirão 20

PASTORAL DA JUVENTUDE E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

A Pastoral da Juventude nasceu de um longo processo vivido na Igreja do Brasil, antes e durante a passagem das décadas de 1960 - 1970.

A década de 1960 viu a concepção e a gravidez da práxis e da idéia de libertação se espalhar por toda a América Latina, fortalecida em 1968, com a Conferência de Medellín e depois, na década de 1970 o marco do nascedouro da Teologia da Libertação que encarnou-se no nível popular, no meio de gente oprimida pelos mais fortes do sistema capitalista.

Mas de quem somos herdeiros e herdeiras?

Da Primeira e da Segunda Aliança, do testemunho dos Mártires da Caminhada, do Concílio Vaticano II (1962 - 1965), de Medellín (1968) e de Puebla (1979).

Vivíamos no Brasil, de 1964 - 1985, na Ditadura Militar, em que toda e qualquer manifestação cultural, social e política estava amordaçada, a única voz a ser ouvida era a da Igreja Católica, liderada pela CNBB. A profecia estava de volta, e a certeza do Martírio mais próxima.

Antes, com a Ação Católica, veio o método tão usado pelas Ceb´s: VER, JULGAR, AGIR...hoje acrescido de mais duas etapas fundantes: REVER E CELEBRAR. Vieram as propostas práticas de fé e de vida com a JAC, JEC, JIC, JOC e JUC...nas palavras do cardeal Cardjin: "Não somos revolucionários, somos a própria revolução"...a juventude começa a dar um rosto à Igreja tão distante dela, dos operários, das mulheres, dos negros, dos indígenas...

O mundo caminhava para a modernidade, sendo que a própria modernidade já caminhava para a pós-modernidade. ..a Igreja há muito tempo não acompanhava os passos da História. Mas nem tudo estava perdido:

Se testemunhava o sopro do Espírito Santo nos papas João XXIII e Paulo VI, que com coragem, sabedoria, humildade e fraternidade fizeram acontecer o Concílio Ecumênico Vaticano II, um marco na história da Igreja. Finalmente a Igreja se abria para o mundo moderno.

Infelizmente ou felizmente, toda abertura acarreta riscos à caminhada. Houveram excessos, tanto do lado mais conservador como do lado mais progressista da Igreja. Mas a mudança sonhada seria irreversível para o bem da caminhada pastoral, teologal e eclesiológica da Igreja Católica no mundo, na América Latina e no Brasil.

O Pacto das Catacumbas foi um dos momentos extra-Concílio de maior beleza e força espiritual, onde alguns bispos, depois padres e leigos assumiram caminhar de verdade como o povo, no meio do povo, à serviço do povo, abrindo mão de todo e qualquer privilégio que a Instituição poderia dar até o final de seus dias, sinal de despojamento e renúncia em favor do povo de Deus, povo que na Nossa América, institucionalmente é pobre, marginalizado, discriminado e excluído.

Com o sopro do Espírito, o Concílio aproximou a Igreja de seu rebanho. A mensagem do Evangelho passou a ser proclamada na língua pátria. A Encarnação do Verbo estava garantida de fato para todos e todas, pois cada um compreendia o que estava sendo dito.

Como em todo o processo, há os que defendem e há os contrários... muitos abandonaram o barco da Igreja, pois não conseguiam se desfazer das pesadas armaduras da Idade Média e do Concílio de Trento, não conseguiam perceber que o Evangelho é hodierno, portanto, a continuadora de sua mensagem, a Igreja, também deveria ser.

Muitos foram os erros de interpretação, mas houveram acertos e de uma coisa ninguém pode duvidar: João XXIII, Paulo VI, haviam colocado a Igreja Católica de volta no mundo, de volta na História da Humanidade.

A Pastoral da Juventude e a Teologia da Libertadora segue os passos do Mestre de Nazaré, divinamente humano, humanamente divino; bebe da mística e da espiritualidade brotada de sua prática e de sua pedagogia cotidiana junto aos mais desfavorecidos.

A simbologia na PJ: de sua bandeira vermelha e do círculo que envolve a sua sigla está no fato de que com o sangue dos Mártires não se deve brincar e que o círculo nos lembra sempre, que todos, todas, são iguais e que todos devem se amar uns aos outros como Ele nos amou.

É ignorância, é estupidez, querer afirmar que a Pastoral da Juventude é um reduto comunista ou uma tendência do Partido dos Trabalhadores, que ela não reza, não ora, que está contra o Magistério e a Hierarquia da Igreja. Enquanto Pastoral social, atuando no mundo não está de forma alguma com os pés fora da Igreja. O seu campo de atuação se dá justamente de dentro para fora da Igreja. A vocação da Pastoral da Juventude é com a juventude que não está somente nas equipes e nos ministérios, mas principalmente com as juventudes que não estão em nenhuma equipe, em nenhum ministério, em nenhum reduto religioso. É uma vocação para o pluralismo religioso.

A Teologia da Libertação tem sido uma teologia moldada segundo o método VER, JULGAR, AGIR, REVER e CELEBRAR. Sabe-se que a filosofia marxista ofereceu diversos elementos à mesma, entretando a Teologia da Libertação rejeita o pressuposto radical do materialismo da teoria do conhecimento marxista, explicitando a relação entre as interpretações da fé e a prática da caridade - teoria e prática - estabelecendo entre elas uma relação dialética .

Tudo o que foi e está sendo escrito e dito contra a Teologia da Libertação nas décadas seguintes e atualmente, apenas comprova o medo de se caminhar e de experimentar uma teologia feita a partir do chão da vida humana, onde Deus desce e habita no meio do seu povo.



Emerson Sbardelotti

Estudante do Curso Superior de Teologia

Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo

Coordenador do Instituto Capixaba de Juventude do Estado do Espírito Santo - ICJ -ES

TdL em Mutirão 19

FALAR DE DEUS NA HISTÓRIA: O DEUS DOS POBRES COMO MANIPULAÇÃO DO DEUS VERDADEIRO?

 
RESUMO

 
Nesse presente artigo gostaríamos de transcrever aos leitores a riqueza da reflexão sobre a fé e sobre Deus, que nascem dos debates em cursos de graduação em teologia. Propomos-nos a tentar mesclar várias perspectivas diferentes sobre uma temática comum, pois aqui queremos colocar pontos de vistas diferentes que tentam justificar uma mesma concepção teológica. Queremos versar sobre as imagens de Deus que temos, sobre nossa maneira de discursar sobre Ele. E somos provocados pela dúvida se o “Deus dos pobres” não seria também uma manipulação ideológica do verdadeiro Deus. E para isso pensamos a temática a partir de 4 perspectivas: Bíblica, Filosófica, Teológica e Pastoral.

 
Palavras-chave: Imagem de Deus. Deus verdadeiro. Deus dos pobres. Manipulação de Deus.

 
ABSTRACT

 
In this article we would like to demonstrate to our readers the wealth in reflexion about faith and God. We propose to try and join various different perspectives around are common these, for here we intend to place different points of view which try to justify one same theologic conception. We want to go over the images of God that we have, about the way we talk in His respect. And we are provoked with the doubt if the “God of the poor” wouldn’t be an ideological manipulation of the true God. This is the reason we think on the theme after four perspectives: Biblical, Philosophical, Theological and Practical.



KEYWORDS: Image of God, True God, God of the poor, manipulation of God.

 
INTRODUÇÃO



Aqui precisamos explicar um pouco como nasce esse artigo.

 
Nas aulas de Teologia Fundamental, do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo, ministradas pelo professor “Dr. Giovani Marinot Vedoato”, estudávamos e debatíamos o livro de Renold Blank, DEUS NA HISTÓRIA. São Paulo: Paulinas, 2005.

 
Debatíamos sobre as “imagens de Deus” e as possíveis manipulações ideológicas que podem advir dessas concepções teológicas. Para exemplificar o que afirmamos como imagem de Deus citaremos exemplos do censo comum religioso: Deus castigador, Deus Rei em seu trono, Deus Juiz, Deus da prosperidade, Deus da Bênção, etc.

 
Surgiu então a provocação de um dos nossos colegas. Blank, em seu livro, afirma que o Deus de Israel, é o Deus dos pobres, não o deus do poder dominante (BLANK, 2005, p. 47). O colega indagou: “não seria essa afirmação, ‘Deus dos pobres’, também uma manipulação do Deus verdadeiro[1]”?

 
Sendo essa provocação feita a estudantes que foram educados na fé das Comunidades Eclesiais de Bases (CEB’s), numa eclesiologia que sempre afirmou a “evangélica opção preferencial pelos pobres”, o debate acalorou-se. Fomos então motivados pelo professor a responder a questão em quatro perspectivas: da Interpretação Bíblica, da Teologia, da Filosofia e na perspectiva Pastoral. Essas respostas se transformaram no presente artigo.

 
Sentimo-nos impelidos a buscarmos os fundamentos de nossa fé, e mostramos racionalmente os argumentos que dão sentido à crença no Deus libertador dos pobres.

 
1 PERSPECTIVA DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

 
Propondo-se a falar sobre Deus numa perspectiva da interpretação bíblica, parece-nos fundamental retomarmos e fazermos referência ao documento da Pontifícia Comissão Bíblica, “A interpretação da Bíblia na Igreja”, nº 134, onde é explanado de forma sintética e densa o que a Igreja Católica pressupõe sobre os limites e as qualidades dos métodos exegéticos e interpretativos nos últimos anos.

 
A Igreja nos ajuda a interpretarmos a bíblia. No presente documento nos mostra os pontos positivos e negativos dos principais métodos e abordagens na qual podemos interpretar o texto Bíblico e a partir deles então falarmos sobre Deus. E afirma: “Nenhum método científico para o estudo da Bíblia está à altura de corresponder à riqueza total dos textos bíblicos” (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, p.46, 2006).

 
Tendo isso como ponto de partida, propomo-nos discorrer sobre como falar de Deus na interpretação bíblica, levantando algumas considerações sobre o texto de Blank, e as abordagens de interpretação bíblica que ele utiliza como fundamento para suas idéias. Principalmente citaremos a abordagem sociológica e da libertação.

 
Como afirmamos na introdução desse texto, esse artigo nasce de um debate em sala de aula. Um dos alunos questionou o texto de Renold J. Blank, que então estudávamos, o livro Deus na História. Ele o criticou por fazer interpretações bíblicas e não ser um biblista. E então questionou se as afirmações propostas pelo autor não seria também uma manipulação do discurso sobre o verdadeiro Deus.

Pelo que nos parece a critica é infundada. Pois Blank mostra em seu texto conhecimento de causa sobre o que fala. E também a referência a outros autores nos garante que sua pesquisa foi sustentada por uma interpretação bíblica renomada.

 
As idéias do discurso sobre Deus apresentadas por Blank são a de que: “o Deus verdadeiro não fica do lado do poder”; “não fica ligado a um lugar”; “não está preso ao círculo cúltico do templo”; “rejeita toda exclusão e opressão”; “oferece uma aliança”; “quer uma sociedade igualitária”, e outras[2].

 
Pois bem. A crítica, a qual fizemos referência acima, interrogava se todos esses discursos sobre o “Deus dos pobres” não seria uma forma de fechar-se a uma imagem de Deus ocultando o “Deus verdadeiro”. Propomos então uma defesa das idéias de Blank numa perspectiva da interpretação bíblica a partir de duas abordagens. Uma através das ciências humanas e outra contextual[3].

 
A primeira é a abordagem sociológica, que nos texto de Blank, encontramos de forma velada quando ele cita o historiador de Israel, John Bright. Esse historiador norte-americano reconstrói em teorias a história de Israel, seja nos aspectos político, étnico, religioso, etc., com base no seu conhecimento também de uma teoria sociológica, sobretudo do exegeta alemão Martin Noth. Bright, no prefácio à primeira edição de seu livro, História de Israel, diz que aprendeu com ele[4], embora afirme também que há dessemelhanças entre suas idéias.

 
A abordagem sociológica também foi bem explorada pelos norte-americanos após Bright. Aqui citamos Jorge Pixley, que também faz menção a teoria sociologia de Martin Noth (PIXLEY, 1989, p. 16). E também citamos o exegeta Norman Karol Gottwald, que se propõe a vincular Bíblia e sociologia em seus livros.

 
Pixley afirma que Gottwald também usa a abordagem sociológica e evidencia o contexto no qual a fé em Yahweh nasce e cresce. A história se inicia, segundo ele, por uma insurreição camponesa, ou seja, os pobres se rebelam contra os reis da Palestina (PIXLEY, 1989, p. 17)

 
Portanto, concluímos que Blank está muito bem embasado ao afirmar suas idéias, e mostrar que o Deus verdadeiro da experiência judaico-cristã é realmente o Deus dos pobres. E a interpretação bíblica com uma abordagem sociológica nos ajuda a confirmar isso.

 
A segunda abordagem, que chamamos acima de contextual, é a da Libertação. Essa abordagem é identificada pelo documento da Pontifícia comissão bíblica[5], porém é afirmado que “ela não adota um método especial”.

 
Ao invés de se contentar com uma interpretação objetivante que se concentra sobre aquilo que diz o texto em seu contexto de origem, procura-se uma leitura que nasça da situação vivida pelo povo. Se este último vive em circunstâncias de opressão. É preciso recorrer a Bíblia para nela procurar o alimento capaz de sustentá-lo em suas lutas e suas esperanças [...] (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, 2006, p. 75)

 
Essa abordagem tem alguns princípios que podemos ver na opção teológica de Blank. Aqui nos basta fazer a seguinte citação “Deus está presente na história de seu povo para salvá-lo. Ele é o Deus dos pobres, que não pode tolerar a opressão nem a injustiça” (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, 2006, p. 76).

 
Dessa forma, concluímos nessa primeira perspectiva do discurso sobre Deus que, a interpretação bíblica utilizada por Blank se baseia naquilo que a Igreja Católica também acredita sobre uma interpretação possível e madura dos textos sagrados. O livro “Deus na história” nos aponta para uma interpretação bíblica que nos fala sobre o Deus revelado para um grupo social específico, os pobres.

 
2 PERSPECTIVA DA FILOSOFIA

Nessa parte do artigo encarregar-se-á de analisar a problemática sobre o tema Deus no víeis filosófico. Mas devida a infinidade desse esboço, optou-se ainda de forma limitada ao pensamento de Pseudo-Dionísio, Tomás de Aquino, Immanuel Kant e Karl Popper.

 
Com a crise da racionalidade iluminista-positivista, parece que, refletir sobre Deus na contemporaneidade é filosoficamente quase um absurdo. Esse “descrédito” pelo tema Deus tomou esse direcionamento, depois que Feuerbach e os “Mestres da suspeita”, Nietzsche, Marx e Freud fizeram severas e contundentes críticas a religião e conseqüentemente ao termo Deus.

 
As formulação dessas apreciações são de grande relevância no meio filosófico que vale a pena citá-los, mesmo que seja de forma frenética. Para Ludwig Feuerbach o conhecimento que o homem tem de Deus é apenas o “autoconhecimento de sí próprio”, logo, o “mistério da teologia é a antropologia”. Já para Karl Marx a religião é o ópio do povo, pois essa impede que os homens busquem a superação da desigualdade social. Com Sigmund Freud, a idéia que se faz de Deus é apenas uma “ilusão infantil”. Por fim, Friedrich Nietzsche anuncia a morte de Deus, e a humanidade livre da tutela da religião, poderá criar os valores do super homem.

 
Todos esses grandes pensadores pensavam que a racionalidade filosófica e científica extinguiriam a religião e Deus da história humana. Hodiernamente evidencia-se a “crise da razão” e depara-se com a denominada “Revanche do Sagrado”, onde a temática religiosa e as reflexões de “um Deus para hoje” reaparece com imensa força.

 
O falar de Deus em Pseudo-Dionísio?

 
Dionísio é um personagem histórico convertido por Paulo, quando esse estava no areópago grego. Tal narrativa é explicitada em At. 17,34. Logo, Pseudo-Dionísio, o Aeropagita é um pseudônimo, que esse filófoso, utilizou a fim de garantir bom êxito em suas obras.

 
Os escritos de Pseudo-Dionísio foi profundamente marcado por Plotino, e por tal motivo em é evidente nas suas obras uma fusão entre o neoplatonismo e pensamento cristão. O pensamente desse autor é hodiernamente reconhecido no campo da filosofia, mas é principalmente no âmbito teológico e místico que é mais enfatizado as contribuições oriundas desse sábio homem.

 
Notória também é a distinção que esse faz na temática sobre o conhecimento de Deus. Pois, para ele o conhecimento de Deus começa com a via positiva ou catafática e termina com a via negativa ou apofática. Veja o que se afirma:

 
O método catafático consiste em ir afirmando de Deus as perfeições que se encontram nas criaturas, escolhendo as mais elevadas, tais como a bondade, a sabedoria, a vida, a unidade etc [...] Todavia, uma vez que o ser divino, como ser infinito, não se reduz a nenhuma das coisas finitas nem tampouco à sua totalidade, mas transcende todas elas, Deus é, propriamente, inominável. Por esse motivo, temos necessidade de recorrer ao método ou caminho apofático, que consiste em negar no que se refere a divindade tudo aquilo que em qualquer perfeição, aos olhos do homem, existe de imperfeição[...] consiste em descrever de Deus aquilo que ele não é, terminando assim no silêncio místico, ou seja, a apreensão totalmente desnudada, direta, embora além de qualquer possibilidade de conhecimento (PSEUDO – DIONÍSIO, p.6 , 2004).

 
Já detecta que em Pseudo-Dionísio a não pretensão de manipular Deus, muito pelo contrário o reconhecimento que o inefável está muito para além de todas as tentativas de compreensão humana. Logo, o que se sabe acerca de Deus, jamais esgota sua “deidade”, portanto, o sentimento de contemplação é a via não de conhecer Deus, mas de senti a presença do “totalmente outro” na experiência mística.

 
Falar de Deus em Tomás de Aquino?

 
Com Tomás de Aquino, o maior expoente entre os escolásticos pretende-se abordar como falar e conhecer Deus. Tomás é conhecido pela enorme obra “Summa Theologiae”, na qual esclarece numerosas questões sobre a doutrina cristã.

O aquinense a fim, de provar a existência de Deus elabora 5 vias, com as quais justifica logicamente e racionalmente pelo caminho a posteriori, ou seja, da criação para Criador.Tais provas ficam explicitas na questão II, artigo III da Suma Teológica, onde o autor decorre detalhadamente sobre cada uma delas. Merece ao menos uma citação breve sobre cada um delas: a 1° é a do motor imóvel, a 2° da causalidade eficiente, a 3° o caminho do ser possível e do ser necessário, 4 º procede dos graus que se encontram nas coisas e a 5 ° e última via detecta o governo ou a ordem do mundo.

 
Especificamente na questão XII da Suma Teológica que Tomás explicita em 13 artigos como Deus pode ser conhecido pelo gênero humano. Vale citar a passagem do artigo XI desse grande escritor:

 
Ora, é manifesto que a divina essência não pode ser conhecida pelas naturezas das coisas materiais. Pois, como já demonstramos o conhecimento de Deus, por meio de qualquer semelhança criada, não é a visão da sua essência. Por onde, é impossível à alma do homem, nesta vida, ver a essência de Deus. [...] Logo, ser a alma elevada até ao supremo inteligível, que é a essência divina, não lhe é possível enquanto viver esta vida mortal. (AQUINO, p.103, 1980)

 
Tomás evidencia algumas relações entre Deus e a criação. Para esse escolástico, não há uma identidade entre Deus e as criaturas, pois o Ser Supremo em sua condição divina se difere em sua essência da criação. Porém não existe uma equivocidade, pois, pode-se chegar ao Criador demonstrando sua imagem refletida no mundo, foi isso que fez Tomás nas 5 vias as quais já foram elucidadas anteriormente. Portanto, o caminho mais segura para se falar de Deus e das coisas criadas é a relação de analogia, do modo que aquilo que se fala das criaturas pode se falar de Deus, mas jamais da mesma forma e intensidade.

 
Na teologia tomista, por mais que se especule a respeito de Deus, fica explicito novamente e é assegurado como também em Pseudo-Dionísio a transcendência de Deus, realçando o sentido da teologia negativa.

 
Como falar de Deus em Kant?

 
Na modernidade desponta a ilustre figura do filósofo de Königsberg: Immanuel Kant. Esse filósofo possue 3 grandes obras: A critica da Razão Pura de 1781; A critica da Razão Prática de 1788, e A critica da faculdade de julgar em 1790. Em sintonia com o tema desse esboço ater-se-á numa análise da Critica da Razão Pura e como a temática acerca do conhecimento de Deus é tratada na mesma.

 
Kant tornou-se conhecido pela “virada gnosiológica” que suas reflexões ocasionaram. Agora o conhecer inicia-se com os dados da sensibilidade, oriundos do tempo e do espaço que depois são subsumidos numa das categorias do intelecto: “sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas” (KANT, p.92, 1999).

 
Para a metafísica tradicional a razão busca três conhecimentos fundamentais: a alma, o mundo e Deus. Porém, Kant é categórico ao afirmar a impossibilidade de conhecer esses objetos no âmbito da razão pura, pois ambos estão fora da experiência possível. Portanto, pode-se falar de eles, mas jamais conhecê-los.

 
Para o filósofo de Königsberg é impossível demonstrar racionalmente a existência de Deus, da alma e do mundo, logo, poderia dizer que esse pensador alemão seria agnóstico ou ateu? Muito pelo contrário, Kant apenas pretende esclarecer até que ponto deve ser respeitado os limites da razão. “[...] jamais ousarmos elevar-nos com a razão especulativa acima dos limites da experiência”. (KANT, p.42, 1999)

 
Como falar de Deus em Karl Popper?

 
Com Karl Raimund Popper quase na mesma linha de Kant, delimita os horizontes da ciência. Para Popper no início de todo o conhecimento o que existem são as hipóteses. Portanto, as teorias não se concluem da experiência, pois essas antes de serem verificadas possuem caráter hipotético. Em sua obra Conhecimento Objetivo traz a seguinte afirmação: “Todas as teorias são hipóteses; todas podem ser derrubadas”.

 
Popper em seu racionalismo crítico desenvolve como critério científico não mais o verificacionismo, mas a falseabilidade, que agora passa a ser o que serve na apreciação de uma teoria cientifica: “O falsificacionista exige que as hipóteses científica sejam falsificáveis, no sentido que discuti. Ele insiste nisto porque é somente excluindo um conjunto de proposições de observação logicamente possíveis que uma lei ou teoria é informativa.”( CHALMERS, p.67,1993)

 
No âmbito da racionalidade cientifica empirista a verificabilidade de um enunciado é a condição necessária para que seja considerado como dotado de sentido. A afirmação da existência ou não existência de Deus ou do conhecimento de sua essência são privadas de sentido, pois há uma impossibilidade lógica-empirica de verificação ou de falsificação. “Deus é, então, um pseudo-problema filosófico”.

 
Sábia é a afirmação que Wittgenstein faz no prefácio de sua obra Tractatus lógico-philosophicus. “o que se pode dizer, em geral se pode dizer claramente; e o que não se pode falar, se deve calar”. Portanto, concluímos que a atitude de absolutizar algumas imagens de Deus racionalmente são inconcebíveis, pois tanto a filosofia como a teologia sempre acentuaram que no discurso analógico sobre Deus, há mais diferenças que semelhanças. E um Deus totalmente compreendido deixa de ser Deus.

 
3 PERSPECTIVA DA TEOLOGIA

 
“Discursar” a respeito de Deus para a teologia é primeiramente uma postura de fé. Para Clodovis Boff, ela tem a primazia[6]. Falar de Deus a partir da teologia a princípio pode parecer fácil, no entanto, não é. Portanto, não se falará aqui de Deus como mero objeto produzido pela especulação da razão (crítica feita por Kant), mas como aquele absoluto que pode ser parcialmente alcançado, mas nunca suficientemente conhecido, pois o criador abarca a criatura e não o contrário. O presente trabalho delineará o pensamento teológico de algumas figuras importantes do debate atual.

 
Para João Batista Libânio, um discurso sobre Deus totalmente puro é impossível, pois estamos mergulhados na história. Sempre haverá infiltrações ideológicas. Segundo o teólogo, é necessário ter consciência crítica e discutir os diferentes pontos de vista sobre Deus para baixar o teor ideológico. Enfim, concretamente, é preciso ver sobre que ponto de Deus se discute (revelação, salvação, encarnação) para perceber aí o jogo ideológico possível[7].

 
Na vertente da Teologia Espiritual, França Miranda argumenta que os efeitos da ação de Deus podem ser captados à luz da fé. Deus atua na História e sua ação está descrita em toda a Sagrada Escritura. Para Miranda é o Espírito Santo que possibilita o conhecimento dos efeitos da ação de Deus no Mundo.

 
Também o discurso teológico deve partir, como os outros, das consequências da presença atuante do Espírito, só que em seu nível epistemológico próprio. A saber, os efeitos da ação divina são captados e interpretados à luz da fé, dom de Deus que capacita o homem a ultrapassar uma perspectiva meramente humana e olhar o fenômeno na ótica divina. Captar os efeitos da ação do Espírito enquanto potencializado pelo mesmo Espírito é o que permite ao ser humano um discurso rigorosamente teológico sobre a experiência de Deus [grifo meu] (perspectiva teológica – Ano XXX n. 81 – maio/agosto 1998 – p.161-181).

 
Mesmo partindo da presença do Espírito que conduz ao conhecimento de Deus, não é possível evitar, em último caso, uma manipulação da interpretação dos efeitos de Deus. Quando o ser humano se sobrepõe na compreensão do que seja a ação de Deus no mundo se fechando a dinâmica do Espírito o discurso sobre Deus se torna mero palavrório.

 
Numa linha atual e mais popular da espiritualidade se tem a figura de Anselm Grün. Para ele todos possuem alguma imagem de Deus, elas são necessárias enquanto fazem a mediação entre o homem e Deus, no entanto, aquelas são provisórias e devem ser re-significadas à medida que o discurso sobre Deus se alarga[8].

 
O teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga afirma que é de suma importância destruir nossos ídolos, a fim de que, aceitando os novos dados, deixem espaço para o Deus sempre maior. Não se pode cair na ideologia de preservar uma imagem de Deus apenas para servir de bengala as convicções pessoais mais convenientes. O teólogo afirma categoricamente:

 
Resistir sistematicamente a toda crítica pode parecer zelo pela glória de Deus, porém, geralmente, indica o narcisismo de quem não quer renunciar às próprias concepções e a insegurança de quem não se atreve a abrir-se ao processo inacabável de “deixar Deus ser Deus”, expondo-se ao rompimento de suas imagens, uma após a outra (QUEIRUGA, ANDRES Torres. Creio em Deus pai: o Deus de Jesus como afirmação plena do humano. São Paulo, paulinas, 1993, p. 29).

 
Queiruga afirma ainda que só a partir do momento em que reconhecemos Deus como Pai é que derrubaremos as falsas imagens de Deus, pois todos se vêem como filhos muito amados e participantes desse amor (Cf. Queiruga, 1993, p. 100-102).

 
O conhecimento de Deus para a Teologia da Libertação segue seu método peculiar adaptado a realidade dos pobres. Aquela interpreta o concreto da história, e acima de tudo o sofrimento do pobre. Não é possível conhecer a Deus negligenciando a dor alheia. Portanto, para se chegar a Deus é de suma importância ir ao encontro dos expurgados do sistema; esta é a condição de possibilidade para conhecer Deus. Onde está o pobre também está Deus[9].

 
No entanto, como a discussão gira em torno de como falar de Deus sem cair em ideologias anacrônicas, o pobre se torna o lugar epistemológico para a elaboração de uma teologia. Toda elaboração conceitual possui uma ideologia e mesmo falando do pobre sofrido também se parte de um lugar; é o momento de ideologização do pobre.

 
Esse é sem dúvida um limite, mas a teologia da libertação não para no pobre, porque sua reflexão parte de uma vivência sadia da história humana a qual aponta para um algo que transcende essa mesma história, logo, a salvação do homem é integral. O pobre não pode permanecer em seu estado, ele é levado a, já nesse mundo, sentir-se humanizado. Tal via seria o ponto de partida para diminuir o grau ideológico para o conhecimento de Deus.

 
Como foi afirmado no início um discurso totalmente puro sobre Deus não é possível. Muitos tentaram ao longo da história e por mais sinceros que fossem, vez ou outra a compreensão se mostrou débil, incapaz de explicar os desígnios de Deus. Por isso, nunca haverá um discurso totalmente puro a respeito desse grande mistério.

 
4 PERSPECTIVA PASTORAL

 
“Quando quero rezar e não há uma Igreja por perto, me ajoelho em frente a uma árvore e rezo”.

Cartola

 
Não há possibilidade de se falar de Deus hoje em dia, sem se deixar tocar por Deus e a partir deste toque agir, na pastoral: em nossos grupos, comunidades, paróquias e dioceses. A partir do hálito de vida soprado em nossas narinas por Ele, nossa sensibilidade se recusa a ver a condição humana fora da relação com o cosmo: com toda a criação, com todos os seres viventes. É fazer valer o pedido do salmo 27,4: “Uma coisa peço a Iahweh, a coisa que procuro: é habitar na casa de Iahweh todos os dias de minha vida para gozar a doçura de Iahweh e meditar no seu templo” (JERUSALÉM, 2002).

 
Leonardo Boff, afirma que:

nós brasileiros, mais do que um povo religioso, somos um povo místico. Nós não acreditamos em Deus, isso é coisa dos europeus, nós sentimos Deus. Sentimos Deus na pele, no corpo, e por isso toda hora falamos: vá com Deus...fique com Deus...Deus está dentro do nosso cotidiano na vida. Não dá para entender o mundo sem colocar Deus dentro. Jesus Cristo apresenta Deus como Abbá, um pai que tem as características de mãe. Como uma galinha que cuida dos pintinhos, como o pai do filho pródigo que acolhe o filho: olha na esquina, ele está chegando, corre ao encontro cheio de misericórdia, isto é, cheio de entranhas, coisas que as mulheres têm. É um Deus-ternura, mais mãe do que pai, ou então um pai-maternal e uma mãe-paternal... Encontrar Deus não só nas Escrituras Sagradas, nos textos da Tradição, na hóstia consagrada, no cálix bento, mas encontrar Deus na natureza, na pedra, no sol, encontrar Deus nos pobres, de tal forma que abraçando o mundo, está se abraçando Deus (PROGRAMA, 2009).

 
Falar de Deus hoje deve ter o ponto de partida na realidade em que estamos plantados, na realidade em que somos adubados, na realidade em que brotam os frutos da nova estação, na realidade em que devemos ser podados e cortados para que uma nova vida germine. Esta realidade compreende um mundo em que a economia é globalizada e excludente, a técnica é acelerada, a comunicação é sem fronteiras e há um rápido crescimento do pluralismo religioso. E podemos dizer que o tempo ainda não é o de negar a razão, mas não podemos viver a ditadura da razão. A dor do mundo está aí na nossa frente. Os valores não são animados e empurrados somente pela ética, mas sim pelo coração, pelo sentimento, que está diretamente enraizados na concepção que temos de Deus. O mundo é partilhado vergonhosamente pelo G-8 e cortejado pelo G-20, sendo que, quem deveria estar tratando dos assuntos referentes à humanidade e a vida do Planeta seria a ONU, mas isso, infelizmente é um sonho, que tão cedo não veremos realizado, mas, precisamos estar atentos como as virgens prudentes do Evangelho.

 
Falar de Deus hoje é não esquecer as nossas matrizes culturais: indígena, européia e africana. Elas nos lembram todos os dias que somos o povo mais propenso ao diálogo e ao encontro, pois estamos juntos e misturados na dinâmica da vida. Somos como o trabalho das mulheres na produção da panela de barro em Goiabeiras, Vitória/ES; que tiram do barro, do mangue e das árvores do mangue, o necessário para moldarem o símbolo que ilustra tão bem a cultura capixaba e que embeleza a culinária deste mesmo povo; é um trabalho honroso e divinal, que mantêm viva a memória daquelas outras tantas paneleiras que iniciaram a tradição da fabricação das panelas de barro conhecidas mundialmente. E elas são descendentes de indígenas, de europeus, de africanos e por isso, a moqueca capixaba é a melhor moqueca do mundo e o sexto melhor prato para ser apreciado segundo a OMS, pois não engorda, e é leve. Na raiz de tudo isso está a disponibilidade, o empenho e a garra de gerações inteiras de mulheres, que assim como Sefra e Fua, ajudam dar à luz o sonho da posteridade; ao perpetuarem este sonho e ao fazerem feliz todo um povo aproximam-se muito de Deus e vêem a Deus mais do que a maioria de nós.

 
Falar de Deus hoje é percorrer todo o projeto de salvação, a qual, sua prática e pedagogia libertadora está implícita e explicita na Primeira e na Segunda Aliança, no Concílio Vaticano II, nas conferências de Medellín, Puebla e Aparecida, fazendo em nós uma transformação, impulsionando para a prática pastoral: Para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Que rezem, orem o Pai Nosso, mas, reivindiquem a justiça e a solidariedade do Reino, o Pão Nosso.

 
Quem, afinal, é Deus?

 
“Nosso Deus é o artista do Universo. É a fonte da luz, do ar, da cor. É o som, é a música, é a dança. É o mar, jangadeiro e pescador. É o seio materno sempre fértil, é beleza, é pureza e é calor”.

Zé Vicente

 
Ele sempre irá responder: “Eu sou aquele que é!” (Ex 3,14).

 
Ele é realidade transcendente. Sendo transcendente nunca saberemos de fato o que ou quem é Deus, só sabemos daquilo que não é, pois a nossa idéia de Deus é sempre limitada, Ele está além de tudo de que possamos sonhar ou pensar ser. Mas o desejo que possuímos é o de que da mesma forma que Jesus, nós também possamos crescer em graça e em sabedoria, por uma intimidade profunda com Ele, onde a nossa existência será inspirada e portanto poderemos chamá-lo de Abbá.

 
Na América Latina e no Caribe, diferentemente da Europa, Deus é aquele que escolhe os pobres (não são os pobres que escolhem a Deus), pois aqui, neste Continente, a pobreza é institucionalizada. Somos um Continente de hapirus (os mais pobres - pessoas desalojadas, sem terra, excluídas nas cidades e nos campos), onde desde cedo, por causa do batismo, alimentamos a vontade de construir uma sociedade distinta, sem exploradores e explorados; uma terra sem males.

 
O Deus que foi passado para a geração que nasceu no Brasil nos anos 70 e era jovem nos anos 80 do século XX, foi o Deus da Teologia da Libertação: divinamente humano, humanamente divino; próximo ao seu povo, em suas lutas, em seus sorrisos, em seus martírios. Um Deus que entrava nas casas através da Bíblia traduzida para o português e nas mãos do povo. E lá ia o povo se reunir debaixo de uma árvore, para se ver, sorrir e celebrar a vida, de um jeito simples, despojado, de analfabetos à homens novos, de analfabetas à mulheres novas. Eram as comunidades eclesiais de base se espalhando por todo o Brasil, sofrendo na pele, perseguições, tal qual as Primeiras Comunidades, por causa do Reino, sendo a voz profética num tempo em que o milagre era economicamente favorável às elites nacionais, fazendo com que os ricos se tornassem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

 
Foi um período profético. Deus caminhava junto. Ele via a miséria do povo, ouvia seu grito por causa dos seus opressores e descia afim de libertar. Cuidava das feridas e soprava, beijava e abraçava, e os agentes de pastoral iam em frente, havia um ardor missionário contagiante, pois acreditar em Deus sempre foi uma opção de vida. O convite para participar da messe era feito, muitas vezes, com o testemunho daqueles que tombaram e daqueles que insistiam em continuar, mas aceitar ou não, sempre foi uma escolha pessoal. Antes do Concílio Vaticano II, se tinha uma atitude de fé que levava a acreditar em Deus, envolvendo razão e levando o ser humano a aprender uma doutrina, esta por sua vez conduzia a um saber sobre Deus e nada mais. Com o Concílio Vaticano, Medellín, Puebla e Aparecida, a atitude leva a comprometer-se com Deus, envolvendo todo o ser, este desenvolve uma prática de vida que o conduz a uma conversão, a uma mudança, de dentro para fora.

 
José Maria Vigil no que refere a ação pastoral nos diz que:

 
para o Jesus histórico o Deus do Reino é o centro, e não há nenhuma outra mediação para ele senão a promoção de seu próprio Reinado. A missão de Jesus não é outra senão o anúncio e a promoção desse Reino. (...) Na linguagem do evangelho de Jesus, Deus é sempre o Deus do Reino, e o Reino é sempre o Reino de Deus, de forma que o teocentrismo e reinocentrismo se implicam mutuamente. (...) Esse foi o tema de sua pregação, sua obsessão, seu sonho, a paixão que o movia, a causa pela qual viveu e lutou, aquilo que em sua vida teve valor absoluto para ele. A figura de Jesus não foi a do fundador de uma religião ou de uma Igreja, e sim a de um profeta apaixonado pelo Reino de Deus, causa última que o fez viver e morrer (VIGIL, 2006).

 
“A ação de Deus se dá através da nossa ação. E pode se perguntar: “Deus faz milagre na História?”. Faz! Mas jamais fora das coordenadas da História” (TAVARES, 2005).

 
Um Deus para hoje

 
“No chão da vida nasce o Povo de Deus. No Deus da Vida nasce o Povo dos Céus”.

Emerson Sbardelotti / Lula Barbosa

 
Qual é a imagem de Deus que nós temos? Qual é o conceito que temos de pastoral? Perguntas importantes para a nossa caminhada enquanto seres humanos, para o nosso artigo, para a nossa vida em grupo, em comunidade.

 
A imagem de Deus na Primeira e na Segunda Aliança que se propõe e que se aproxima mais de uma pastoral comprometida com o Reino é esta: a - Na Primeira Aliança, o grande perigo para Israel era contaminar Iahweh com os cultos da fecundidade. A paternidade divina surge fundamentada na saída do Egito. Como se disse anteriormente, Deus escolhe os hapirus. Os profetas usarão expressões cheias de ternura para significarem esta paternidade, que na verdade é maternidade. b - Na Segunda Aliança, teremos a experiência fundante do Abbá em Jesus. Esta vivência constitui a intimidade original e profunda de sua personalidade. Por causa dela Jesus cria uma reação em cadeia contaminando todo o seu grupo de amizades, levando-os à radicalidade infantil de chamar Deus de papai, uma experiência única. Deus é para sempre definido como paternidade revelada e entranhável, como fonte de ternura e confiança. Deus é o que alimenta o mistério em Jesus e a partir deste se abre para todas as criaturas.

 
Fuentes nos diz que:

etimologicamente, o termo “pastoral” deriva de pastor. No início do seu uso (finais do século XVIII e princípios do século XIX) referia-se basicamente à doutrina e prática de formar pastores (presbíteros), e ao modo de realizar o ofício da cura animarum (cuidado das almas) próprio do pároco. A partir daí, este conceito foi evoluindo, ganhando grande variedade de significados, alguns reducionistas, outros ambíguos ou mesmo errôneos (FUENTES, 2008).

 
Uma nova imagem para Deus hoje, uma nova pastoral para hoje, só terá sentido, se primeiro, quem busca seus significados souber o quanto significa ser humano. Os profetas da Primeira Aliança e o próprio Jesus sabiam muito bem o que significava ser judeu naquele momento da história da humanidade e a missão que tinham a realizar. Sentiam muito bem a imagem de Deus que os animava.

 
Falar hoje de uma nova imagem de pastoral num mundo globalizado é mais complicado do que se imagina. Com o advento da internet, as juventudes, não se colocam mais a disposição para o exercício da fé em comunidade. O sagrado está no shopping center e a virtualidade é mais próxima do Deus espiritualizado que imaginam para si. Apesar de conhecerem e saberem o que é um pastor e seu ofício, eles residem em sua maioria em cidades populosas, onde dificilmente verão rebanhos e montanhas ao estilo clássico bíblico, portanto o discurso do Bom Pastor, por exemplo, irá soar apenas como mais uma fábula ou como um preceito moral de fim de história que os mais velhos contam ou contavam.

 
Mas há também as juventudes que se sentem atraídas por Deus e estão se colocando à disposição nas mais diversas equipes e pastorais. E conscientes do papel que desenvolvem, vão dando um novo vigor à caminhada de suas comunidades, paróquias, dioceses, independente se são ou não apoiados pela hierarquia, o que sempre representou um grande problema, principalmente para as Pastorais da Juventude, mas que também sempre foi encarado como desafio a ser vencido. E foram e venceram. Olhe a quantidade de jovens que participaram do último Intereclesial das Cebs, acontecido em Porto Velho, em julho de 2009, e que estão se mobilizando para participarem do Encontro Nacional de Fé e Política em Ipatinga, em novembro de 2009 e para o Fórum Social Mundial na Grande Porto Alegre em janeiro de 2010. O Espírito de Deus sopra sempre onde ele quer. Não há como controlar. Só podemos sentir e nos maravilhar e seguir em frente.

 
A experiência de Deus é senti-lo em intimidade profunda, amorosa, através da fé em Jesus e colocado em prática nas ações comunitárias em que estivermos inseridos. O encontro e o diálogo com Deus na oração nos impulsiona todos os dias a irmos em busca do irmão, do outro. Pois Deus se manifesta na realidade humana, em sua cultura e em sua história sem excluir ninguém. Ele aglutina, sorri, se compadece, abraça e beija. A ação pastoral enquanto serviço emanado do amor é uma autêntica vivência de Deus.

 
REFERÊNCIAS

 
AQUINO, Tomás. Suma Teológica. Vol. 1 questões 1-49. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina Editora, Caxias do Sul. Universidade de Caxias do Sul: 1980.

BLANK, Renold J. Deus na história: centros temáticos da revelação. São Paulo: Paulinas, 2005.

BRIGHT, John. História de Israel. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 1981.

CHALMERS, Alan. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense S.A. 1993.

FUENTES, Salvador Valadez. Espiritualidade Pastoral – como superar uma pastoral “sem alma”?. São Paulo: Paulinas, 2008.

GOTTWALD, Norman Karol. Introdução socioliterária à Bíblia hebraica. São Paulo: Paulinas, 1988. pp. 139-221. (Coleção Bíblia e sociologia).

GOTTWALD, Norman Karol. As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião de Israel liberto 1250-1050 a. C. São Paulo: Paulinas, 1986. (Coleção Bíblia e sociologia).

JERUSALÉM, Bíblia de – nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.

KANT, Immanuel. Critica da Razão Pura. Coleção Os Pensadores: São Paulo: Nova Cultural, 1999.

PIXLEY, Jorge. A história de Israel a partir dos pobres. Petrópolis: Vozes, 1989. (Coleção Deus conosco).

PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na Igreja. 7 ed. n. 134. São Paulo: Paulinas, 1994.

PROGRAMA Sempre um Papo – Leonardo Boff. Belo Horizonte: 2009.

PSEUDO-DIONISIO. Obra completa. São Paulo: Paulus, 2004.

REALE, Giovanni. ANTISERI, Dario. Historia da Filosofia: Filosofia antiga e medieval. São Paulo, Paulinas, 1990. (Vol. 1)

TAVARES, Emerson Sbardelotti. O Mistério e o Sopro – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.

VIGIL, José Maria. Teologia do Pluralismo Religioso – para uma releitura pluralista do cristianismo. São Paulo: Paulus, 2006.

ZILLES, Urbano. Filosofia da Religião. São Paulo, Paulus: 1991.

 
* Adriano Souza Viana, Angelo José Salvador, Edson Kretle, Fábio Milioli Saith – Graduados em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Vitória; Emerson Sbardelotti Tavares – Graduado em Turismo pela Faculdade de Turismo de Guarapari-ES - Licenciado em História pelo Centro Universitário São Camilo - Vitória-ES - Graduandos do curso de Teologia do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo (IFTAV).

 
[1] A Introdução do livro e título do primeiro capítulo se refere ao tema do “Verdadeiro Deus”. As idéias de Blank se propõem a fazer uma redescoberta do sentido do Deus judaico-cristão no percurso histórico se baseando em pesquisas bíblicas e teológicas.

[2] Temas tratados em todos os capítulos

[3] Essas abordagens são explicadas no documento da Pontifícia Comissão Bíblica, pp. 66-78.

[4] Cf. BRIGHT, 1981, p. 11.

[5] Cf. pp. 74-78

[6] BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Rio de Janeiro: vozes, 1998.

[7] Libânio em resposta a questão enviada por E-mail: Como não manipular Deus do ponto de vista teológico? Todo o discurso a seu respeito seria uma ideologia?

Resposta: BH 05 de maio de 2009. Angelo: “pureza total de um discurso sobre Deus é impossível enquanto estivermos na história. Certa dose de ideologia penetra tudo. A defesa que temos é a consciência crítica que procura diminuir os aspectos ideológicos. daí a necessidade do diálogo entre os diferentes discursos. para uma resposta concreta, teria que ver sobre que ponto de Deus se discute para perceber aí o jogo ideológico possível”.

[8] Cf. GRÜN, Anselm. A oração como encontro. Rio de Janeiro: vozes, 2001.

[9] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. São Paulo, vozes, 1994.