sexta-feira, 23 de setembro de 2011

TdL em Mutirão 30

DESAFIOS ATUAIS PARA A ESPIRITUALIDADE DA LIBERTAÇÃO


Introdução:
Dois motivos me levam a refletir sobre este tema.

 
Quando no começo da década de 90 alguns mais perspicazes mencionaram pela primeira vez a necessidade de uma “mudança de paradigma”- uma expressão que escutamos então pela primeira vez e que “vinha para ficar” -, pareceu que alguns dos que levantavam esta bandeira, o faziam para justificar seu abandono do compromisso com os pobres, a quem, naquela hora muitos, militantes “socialistas” e “revolucionários” até então, começavam a deixar sozinhos, sem protagonismo nem futuro. Entendendo que se tratava de dissimular um abandono – e creio que, na verdade, em muitos casos assim era – houve outros que recusamos aquela pretendida mudança de paradigma para nos manter fiéis aos compromissos fundamentais de nossa espiritualidade da libertação (E.L), cuja opção evangélica pelos pobres não nos permitia abandonar um paradigma como quem muda simplesmente de camisa para se acomodar a uma nova situação.
Já se passou tempo suficiente desde então para que já se tenha como fato indiscutível e evidente a mudança profunda que se produziu, por uma parte, e para que, por outra, possamos avaliar isso que mudou e colocar nome concreto para os novos desafios com os quais a E.L. vai medir-se agora.
Um segundo motivo. Nestes tempos de crise e -por que não dizer- de abandonos e retratações, não poucos militantes se afastaram da teologia da libertação (TL) e da EL. Com freqüência pensamos que se tratava de verdadeiros pecados de infidelidade ao evangelho e à Causa dos pobres e em certos casos o foi realmente. Mas também é verdade -isso aparece agora com mais clareza– que, de algum modo, a situação ambiente se configurou como “exatamente contra” ao que a EL tem de mais próprio e substancial. Diríamos que o momento cultural atual é estruturalmente contraditório com a própria EL. Em muitos aspectos, professar hoje a EL é ir diretamente na contra corrente da plausibilidade social vigente. Muitos dos que a abandonaram simplesmente “não puderam fazer outra coisa”, honradamente não viram outra saída. (excetuando-se enunciados mais heróicos não se crê no que se quer, mas no que se pode...).
Pois bem, numa situação tão radical, não basta querer superar o problema com simples boa vontade, mas é conveniente medir bem a magnitude do problema e detectar a identidade exata de cada um de seus componentes, para estar capacitado a dar uma resposta “digerida” conscientemente, em vez de se empenhar em uma fidelidade cega e obstinada que não saiba “dar razão de sua esperança”. Ter bem assinaladas as características do problema já é parte da solução.
É isso que me proponho neste estudo: colocar nome concreto para os problemas, elencá-los e trazê-los à luz. Não pretendo resolvê-los nem dar-lhes resposta –se isso fosse possível– neste momento. Interessa-nos somente analisar de um modo particularizado como e em quais campos este contexto atual desafia (dificulta, julga, inviabiliza) a Espiritualidade da Libertação.
Faz-se difícil encontrar uma classificação “clara e distinta” dos fatores da crise, pois todos eles têm aspectos múltiplos mutuamente interligados e pertencem simultaneamente a níveis diversos. Por isso vamos abordá-los simplesmente de um modo sucessivo, sem marcar demais suas delimitações, prioridades ou mútuas relações.

 
1. Dificuldades provenientes da cultura ideológico- política atual.

 
Um primeiro bloco de dificuldades para com a EL é o fato de que, como disse José Maria Mardones, com frase lapidária, “a caída do Muro de Berlim indica o fim de uma política entendida como promessa de libertação; o fim da visão teológica da política; nós nos encontramos diante do fim do messianismo político e religioso”. (Neoliberalismo y religión, Verbo Divino, Estella, 1998, p. 45).
Ainda que o que “fracassou” com o Muro de Berlim não tenha sido nada mais que o experimento bolchevique, um a mais na grande história de tentativas para construir uma sociedade mais fraterna, o caso é que a atmosfera utópica e messiânica, em que todas aquelas tentativas militantes e esperançadas se desenvolveram, desapareceu em muitos setores e na sociedade como conjunto cultural. Já não é possível, para muitos, pensar o mundo em coordenadas de transformação histórica e libertação. A consciência de fracasso das tentativas revolucionárias realizadas nos últimos tempos calaram profundamente no subconsciente coletivo da sociedade. Perdeu-se a “inocência idealista”, e a sociedade ficou vacinada contra toda proposição utópico- messiânico; o cidadão moderno atual neoliberal se “ruboriza” diante da presença de um utopia messiânico- escatológica, ou sorri benevolamente. Fez-se céptico, pragmático, incrédulo diante das utopias, voltado ao aqui e agora, sem qualquer concessão para devaneios messiânicos.
O “pensamento único” dominante inculca a inviabilidade de toda mudança, a impossibilidade de encontrar uma alternativa, o convencimento de estar “no melhor dos mundos possíveis” no “final da história”, com a conseguinte desesperança por parte dos outrora militantes da transformação social e da libertação dos pobres.
Um dos eixos centrais da EL –como a estrutura central sobre a qual se constrói– é precisamente a leitura que faz da realidade em termos de história, de utopia e de praxe para realizá-la. A EL é um espírito que chama a pessoa para se auto realizar como sujeito, mediante o compromisso na praxe de transformação histórica de libertação, que quer se inspirar no projeto mesmo de Deus, manifestado na Causa de Jesus, assumida e feita Causa nossa. Isso, evidentemente, choca frontalmente com as dificuldades ideológico-políticas que esta sociedade atual tem com relação ao pensamento e à praxe utópica. É o próprio esquema mental da EL que é contrário à crise da cultura atual.

 
2. O pós modernismo.
Simultaneamente e, vindo sem dúvida de mais longe, ainda que reforçado também por esses fracassos históricos, tanto das tentativas socialistas e revolucionárias como dos mesmos processos revolucionários, difundiu-se amplamente um novo fator, o pós modernismo, com forte componente de reação decepcionada com o pensamento modernizante, com o qual também se considera que fracassou, não somente porque não trouxe o que suas promessas tanto tempo anunciaram, como também porque trouxe a frustração decepcionante, a desigualdade crescente, a depredação da natureza e uma forma de civilização estressante e violenta.
O pós modernismo está “de volta” das grandes visões de conjunto, dos grandes projetos históricos, das utopias e das grandes metas. Não crê neles. Recusa os “grandes relatos”. Refugia-se no fragmento: viver o momento presente (carpe diem), renunciando a grandes ideais e projetos históricos, resignando-se a um “pensamento débil” posto que não crê que seja possível outra coisa. A pós modernidade questiona e ridiculariza a militância, acreditando que ela é não só inviável e sem objetivo no atual contexto histórico, mas também ridícula e digna de melhor causa. Melhor causa que pode ser, para o pensamento pós moderno, a crescente valorização do prazer, do corpo, do hedonismo, do gozo estético...
Também esse pós modernismo está exatamente nas antípodas da EL. Essa tem em si mesma toda a característica de ser uma espírito irmão do pensamento moderno; e não é que ela seja assim por ocidentalismo e por modernismo, mas por herança bíblica, por imitação do Jesus histórico. É, em todo caso, isso sim, um pensamento forte, seguro de si mesmo, com um grande relato (o projeto de Deus, a Causa de Jesus, o Reino!). Por isso, não se pode suportar facilmente o pensamento light do entorno pós moderno. Diríamos que em princípio não se pode ser ao mesmo tempo pós moderno e espiritual da libertação. Como, então, viver e pregar hoje a EL?
A pergunta não é somente com relação a EL, mas ao cristianismo todo porque é o cristianismo inteiro que é um grande relato, “um pensamento forte e uma estrutura lógica de alguma maneira “moderna” (também aqui: não por influência moderna, mas por herança bíblica; talvez o modernismo seja devedor do cristianismo – através do qual teria bebido do pensamento histórico bíblico – e não o contrário).

 
3. “Destradicionalização”, relativismo e cepticismo.

 
Desde um campo menos filosófico e mais sociológico e cultural, um novo fenômeno que analistas e sociólogos, como Giddens, chamam de “destradicionalização” vem aprofundar o mesmo estado de coisas que o pós modernismo produz, acrescentando-se novos e mais abrangentes elementos de relativismo e cepticismo cultural.
O mundo se mundializou e hoje já todos existimos uns junto com todos os outros pelo bombardeio permanente dos meios de comunicação social, ainda antes que viajemos e caminhemos fisicamente ao encontro dos outros. Hoje, e já desde crianças, observamos, e as culturas, religiões, tradições, folclore, rituais de todos os povos da Terra estão muito perto de nós. E, ao observar todas essas tradições, torna-se inevitável a comparação com as nossas próprias. A partir desse momento, vamos compreendendo cada uma delas como “umas a mais” entre as muitas que existem na Humanidade, e assim vamos deixando de considerá-las como reflexos da objetividade do real para passar a considerá-las, por nós mesmos, como simples tradições, como construções humanas, queridas e muito nossas, mas despojadas agora desta auréola de justificação que dá o fato de considerá-las em referência a uma ordem objetiva universal indiscutível.
Nesta vizinhança universal exigida, a que nos submete a mundialização diante dos povos, culturas e religiões do planeta, o “sentido da vida” deixa de ser para nós (para cada povo, para cada sociedade) “o sentido”, passando a ser “um sentido”, um sentido mais entre outros, o sentido concreto em que nós nascemos, o sentido que nos foi dado (ou que construímos). Já não podemos desconhecer que há outros sentidos, e um incontido instinto de realismo nos diz que nenhum deles pode pretender ser “o” sentido, “o único” sentido.
O problema é que, quando o sentido da vida humana é assim descoberto como construção humana, deixa de ser sentido, deixa de ter sentido. As gerações jovens se incorporam à sociedade de um modo essencialmente diferente do modo em que nos iniciamos as 800 gerações anteriores; eles já não nascem nem entram em uma cosmovisão tida como objetiva, certa e indiscutível, mas em um mundo que sabem ser desprovido de toda pretensão de absoluto, de objetividade e de universalidade, carregado de relativismo e também de humildade. Humildade que em muitos casos não é fácil deslindar de um cepticismo latente ou declarado com respeito à existência de uma ordem objetiva, segura e indiscutível.
Assim, o resultado final converge com os enfoques deletérios do pós-modernismo: já não há grandes valores seguros, nem “grandes relatos” que possam se apresentar para nós, nem causas pelas quais valha a pena viver (e morrer! Camus dizia que as grandes causas pelas quais vale a pena viver são precisamente aquelas pelas quais vale a pena também morrer). Para uma sociedade “destradicionalizada”, já não existem verdadeiramente essas causas, pois elas não são mais que “construções humanas de sentido”, às quais não se quer renunciar para não perder o gozo que proporcionam e para não ficar despidos ante a falta de sentido da vida, - mas às quais tampouco se pode prestar uma adesão vital, cordial, apaixonada, já que tudo nessa “destradicionalização” aparece como sem profundidade, desprovido de consistência objetiva e reduzido à “ilusão de sentido” na qual consiste a vida humana. O relativismo e o cepticismo espreitam de perto.
Essa é, sem dúvida, uma cosmovisão nova, que, para nós que nascemos e nos configuramos como adultos em uma sociedade de tradições fortes, é difícil captar, mas é uma cosmovisão emergente nas novas gerações, que está formando um homem e uma mulher realmente novos, bem diferentes dos “tradicionais”.
A EL é um pensamento forte, um espírito convencido e entusiasmado, uma paixão consciente do que vive e enamorada de Causas pelas quais vive e está disposta a morrer, apoiada na grande tradição de Jesus à qual se remete, reivindicando precisamente sua fidelidade e sua imediata proximidade. As gerações jovens -e todos os que de alguma maneira entraram nesta “destradicionalização”– não vão poder assimilar a EL se não ajudamos a fazer uma acomodação de categorias e uma releitura da EL em diálogo com esta nova cultura geracional emergente.
Separadamente, –como logo veremos- resta-nos refletir hermeneuticamente na possibilidade de ser crente “destradicionalizado”, como em outros momentos estudamos a possibilidade de ser “crente a- religioso”, categorias todas elas aparentemente contraditórias, mas carregadas de possibilidades em sua aparente impossibilidade.
Tudo isso não é algo que ocorre particularmente com a EL, mas com toda espiritualidade e crença religiosa.

 
4. Hegemonia neo-liberal conservadora

 
É desnecessário insistir no evidente: a direita, o capital, os poderosos levam a hegemonia neste mundo atual. Costuma-se dizer de muitas maneiras: o neoliberalismo triunfou, estamos em uma revolução da direita, tivemos nestes anos uma avalancha do capital contra o trabalho: A “globalização” financeira mundial, o domínio e o controle que o capital conseguiu articular a nível planetário, até se mover sem qualquer restrição ou imposição tributária e até chegar a ter mais poder que qualquer entidade política ou de outro gênero, seria a expressão simbólica e ao mesmo tempo efetiva desta hegemonia das classes poderosas e endinheiradas.
Não é que somente as idéias socialistas – ou ao menos socializantes – estejam em declínio ou tenham menos adeptos, mas, na opinião pública dominante – a controlada pela classe dominante, a que se expressa pelos grandes meios de comunicação massiva- estão desprestigiadas e com freqüência satanizadas. Em muitas ocasiões, os mesmos setores populares pobres reproduzem esse “pensamento único”, dominante, hegemônico, de um modo a-crítico e ingênuo, freirianamente introjetado como por osmose pelo ambiente. Não é preciso ser marxista para recordar aquelas palavras do Manifesto: “As idéias dominantes de cada época foram sempre as idéias dominantes da classe governante”. Não é diferente do que está acontecendo agora.
Não cabe dúvida de que uma “hegemonia” dos poderosos e ricos, na cultura e na opinião pública da sociedade, é um ambiente negativo, de dificuldade acrescentada à dificuldade que a EL carrega em si mesma. Os pobres e seus interesses, com os quais a EL se identifica, são interesses secundários, inclusive antagônicos numa sociedade sob o influxo de tal hegemonia. Os pobres estão excluídos de todo o protagonismo. Corresponde a eles somente deixar-se levar por aqueles que estão capacitados para conduzir a sociedade. Os pobres só podem ser objeto (de misericórdia, de beneficência), mas não sujeitos de sua própria história. Os que cometem a loucura de apostar (optar) pelos pobres optam também por ficar fora do protagonismo da história, que corresponde aos que detêm a hegemonia ou pactuam com ela.
É mais difícil assimilar e viver a EL nestes tempos da atual hegemonia neoliberal, conservadora e de direitas, do que na sociedade latinoamericana de trinta anos atrás. Apesar das ditaduras militares e da repressão, toda ela era um clamor pela justiça, pelas reivindicações sociais, pelas transformações revolucionárias... Esse clamor pela justiça era detentor da “hegemonia” dos pobres na sociedade de então. Abraçar a EL naquela hora não era uma decisão contrária à marcha da sociedade, mas algo que gozava da plausibilidade social mais alta e da aceitação coletiva mais profunda. Hoje sucede o contrário, e a EL não pode ignorar isso.

 
5. Depressão psicossocial

 
As sociedades têm também sua psicologia. Por mais que nos pareça que somos autônomos e independentes em nossa vida, somos também membros da sociedade e participamos inevitavelmente de seus estados de espírito, altos ou baixos, sãos ou enfermos, que nos afetam, de um modo ou de outro, com maior ou menor intensidade.
Em outro lugar, sustentei que, concretamente na América Latina dos anos 90, e olhando para ela do lado dos interesses dos pobres, podemos descobrir que entramos há algum tempo numa “noite escura” que, psicologicamente, pode ser explicada, dentro das hipóteses da psicologia condutivista, como depressão. Nossa sociedade latinoamericana, como resultado da crise da passagem dos 80 aos 90 – que culminou numa trabalhada história de várias décadas de luta e conflito, de heroísmo e martírio, de esperanças e fracassos -, entrou em uma etapa de depressão psicológica em muitos setores populares que até então haviam levado o peso da militância e da esperança. Todos os sintomas coletivos evocam a mesma síndrome de depressão individual, com um claro paralelismo. É algo que tratei de mostrar em meu livro “Aunque es de noche”.
A EL tem que ser consciente de que ela é contrária a uma depressão psicológica. A EL é paixão, força, criatividade, energia, enamoramento, vida e luta pela causa, tenacidade (“teimosia”)... e há de saber, portanto, que em uma situação de depressão coletiva psicossocial, o sujeito social mesmo –e em cada caso também talvez o sujeito individual– está impossibilitado de viver essa espiritualidade com esse espírito.
Será que a EL não é possível em nossa sociedade? Não diria tanto. E a prova dessa possibilidade é que ela existe, nós a apalpamos, há muitos setores que a proclamam e por ela se sentem inspirados e transformados. Direi, no entanto, que numa sociedade na qual essa síndrome depressiva aparece, a EL será duplamente difícil; e deverá contar sempre com essa dificuldade a mais. Talvez deva, inclusive, encontrar formas “light”, ou seja alimento de criança para aqueles que não agüentam o alimento adulto, mas que estão dispostos a responder, a seu modo, ao chamado da esperança, “mesmo que seja noite”.

 
6. A animosidade da instituição eclesiástica.

 
A estas alturas da história, e após as últimas décadas, talvez já não cause espanto – como se isso pudesse ter acontecido em outros tempos - a afirmação de que uma das patologias próprias da Igreja católica é o tema do poder e de sua relação com o carisma, com a profecia, com o compromisso criativo com a libertação dos pobres. Os interesses da instituição não somente são muito poderosos por serem próprios de uma entidade internacional de tal envergadura, mas pela própria estruturação da desigual distribuição jurídica (canônica) do poder dentro da comunidade cristã. A história da igreja católica é uma trabalhada história de repressão contra todos os brotos proféticos que surgem em seu seio. Existe um rosto oculto do cristianismo na história dos movimentos proféticos de compromisso com os pobres, de diálogo com a vanguarda profética da sociedade, sufocados e reprimidos pela autoridade eclesiástica, como o deus grego que devora seus próprios filhos, aqueles que mais poderiam devolver-lhe a vitalidade e a criatividade perdida.
A TL e a EL se inscrevem nessa corrente profética que atravessa toda a história. Foram o broto profético que na segunda metade do século XX levou mais à frente a renovação do cristianismo, o diálogo com a modernidade (da primeira e da segunda ilustração), a volta a suas origens proféticas mais primitivas de compromisso com a justiça e com os pobres. Enquadrada no movimento de reconciliação da Igreja católica com o mundo contemporâneo, depois da primavera iniciada com o Concílio Vaticano II, imediatamente a esperança foi abortada com o movimento de involução que implementou o cardeal Wojtila, dirigente do grupo de oposição (coetus minor) derrotado no Concílio, quando foi nomeado Papa, ajudado pelo teólogo José Ratzinger, que por sua vez modificou profundamente a primeira orientação de sua teologia. A TL e a EL foram atacadas frontalmente – com um afã e persistência digna de melhor causa – mediante a perseguição de agentes de pastoral, o pretendido esquecimento dos mártires, a censura e o silenciamento dos teólogos, a destituição autoritária de autoridades (CLAR, congregações religiosas...), a imposição ao povo de Deus de bispos numa linha conservadora radical em sistemática desestima da própria voz desse mesmo Povo de Deus, a desvalorização progressiva das conferências episcopais até o sufocamento da grande tradição da Igreja latinoamericana, construída em Medellin e Puebla e bloqueada na imposição metodológica de Santo Domingo e no centralismo emudecedor do Sínodo para a América em Roma...
Falou-se da Igreja como sociedade “disfuncional”, enferma, carregada de medo e carente de coragem para dar respostas novas e criativas que concretamente nestas décadas já não resolve os problemas, mas simplesmente os prorroga, repetindo respostas que provavelmente não os resolvem.
Neste contexto tão conhecido, e tão poucas vezes tematizado serenamente –como efeito mesmo do que descrevemos- a TL e a EL hão de saber, sabem que, ainda dentro da Igreja, estão em terra estranha, exiladas, clandestinas e perseguidas. Vencidas, mas não convencidas... Este é um desafio real, muito concreto, muito doloroso, quase nunca tematizado. E a pergunta é: como fazer teologia e como viver a EL no seio de uma Igreja que a persegue e que se mostra radicalmente incapacitada para dialogar? Talvez, precisamente por amor à Igreja, a TL e a EL não tenham elaborado praticamente o tema da contenda, a análise desta situação disfuncional e anômala que atravessamos. Mas, sem dúvida, é uma de suas tarefas pendentes e inclusive urgentes, tanto por motivos evangelizadores e missionários, como em atenção a tantos cristãos e cristãs que vivem sinceramente o cristianismo a partir desta ótica libertadora tão genuinamente evangélica e se acham gravemente desconcertados e decepcionados.

 
7. As suspeitas confirmadas.

 
A crise do marxismo fez com que alguns esquecessem muito precipitadamente desenvolvimentos elementares da sociologia da religião que já possuíamos pacificamente.
Não é preciso reviver qualquer extremismo ideológico para se fazer consciente do que já pertence ao acervo popular: a religião sempre tem, ineludivelmente, uma dimensão social e política. Desempenha um papel na sociedade, não pode deixar de desempenhá-lo e tampouco pode subtrair-se ao influxo social, nem pode deixar de ser requisitada pela sociedade para cumprir um papel que atenda os interesses dos que o reclamam.
O quadro atual que os diversos fenômenos da religiosidade compõem se presta facilmente a uma interpretação das diversas funções sociais cumpridas pelos movimentos religiosos maioritários. Um comentarista tão alheio aos interesses eclesiásticos e aos dos pobres e aos da TL, como Huntigton, professor de Harward, apresentado como expert em transformações mundiais, sustenta a tese de que a religião conservadora e fundamentalista é, paradoxicamente, a que melhor se adapta ao mundo moderno da globalização.
A modernidade, diz, está chegando já à prática totalidade do planeta, não quanto do desenvolvimento humano, lamentavelmente, mas nas estruturas de dominação que se fazem presentes em toda parte. Não poucas religiões tentaram um diálogo com a modernidade a nível profundo, com meritórias tentativas de aggionamento e reformulação. Mas – diz Huntigton – os resultados não foram favoráveis, e sim perturbadores e desestabilizadores para as grandes religiões como instituições mundiais. Ao contrário, a religiosidade fundamentalista é a que está se revelando como mais conjugável com a modernidade mundializada. Esta religiosidade aceita a modernidade em seus sucessos científico-técnicos e em sua eficácia produtiva, assim como no jogo democrático representativo, já que compatibiliza e combina essa aceitação com uma interpretação fundamentalista clássica, que se nega a toda hermenêutica atualizadora e reafirma o mais tradicional, oferecendo orientação, tranqüilidade, segurança dogmática. Isto é, aceita os sucessos da modernidade, mantendo as vantagens da tradição.
Definitivamente, o fundamentalismo é a religião do presente neoliberal porque é a que melhor resolve as necessidades dos indivíduos submetidos aos traumas da modernidade, já que deixa passagem inteiramente livre para a economia neoliberal de livre mercado, interesse supremo do capital e dos grandes deste mundo. Assim, Huntigton, a quem se pode acusar de qualquer coisa, menos de propensão ao marxismo, interpreta para nós o papel da religiosidade no atual quadro da modernidade neoliberal com base em sua funcionalidade para com o sistema.
É evidente que a TL e a EL são disfuncionais ao sistema. Não somente porque supõem um diálogo em profundidade com a modernidade, que reinterpreta a religião mesma e produz, não poucas vezes, insegurança e desestabilização, mas também porque representam e fazem seus os interesses dos pobres em seu tríplice caráter de sujeito coletivo, conflitivo e alternativo. Tudo isso, realmente, não é nada novo; mas em um tempo em que a hegemonia silencia esses aspectos, é bom recordá-los e retomá-los.
A TL e a EL são uma peça de discórdia e conflito na engrenagem do sistema socioeconômico e, também aqui, poderão sair na frente, somente na contramão, “desde o reverso da história”, “com os pobres da terra” e com o “pequeno resto de Israel”, que possa se manter a salvo dos movimentos de massa bem controlados pelo sistema. A EL há de saber que tem diante de si, em contra, todo o sistema da globalização e que só será tolerada enquanto esteja calada. Quando a influência de sua denúncia exceder os limites toleráveis pelo sistema, voltarão a perseguição e o sangue até o martírio. Há de saber também que essa hegemonia neoliberal atravessa a Igreja e que também nela coloca todos os ventos contra os que defendem o Reino de Deus entendido como boa nova para os pobres. É tempo de exílio- na Igreja e no mundo- além de ser permanentemente tempo de êxodo. Hoje, mais que nunca, temos que ser conscientes de que o Senhor não nos chama ao triunfo histórico, mas escatológico...

 
8. O desafio do pluralismo

 
Sempre houve na humanidade pluralidade de religiões. O que não houve é o pluralismo, aquele que começa quando as religiões travam contato (em vez de se ignorarem) e estabelecem alguma forma de reconhecimento mútuo e, eventualmente, de colaboração. É uma realidade inevitável num mundo crescentemente unificado como atual. O diálogo, a mútua influência entre as religiões começou já de fato e está em curso na arena da vida religiosa da humanidade, ainda antes dos diálogos oficiais das cúpulas de diferentes religiões.
Por sua parte, o tema teológico do pluralismo religioso é reconhecidamente novo, pois “surgiu no tempo de vida da presente geração” (Hick); no entanto, alcançou um desenvolvimento notável sobretudo no mundo anglo saxão. Atualmente está invadindo- é uma verdadeira irrupção- o campo latino e está fazendo sentir seu desafio em todos os tratados teológicos (sobretudo na cristologia e na eclesiologia), assim como na liturgia, na linguagem, nas categorias... que foram criadas em um modelo exclusivista e ignorante da existência de outras religiões, e que exigem agora que sejam reformulados e adaptados às novas coordenadas.
Há grandes temas mais concretos, ainda que transversais, que experimentaram já uma revisão mais profunda: a própria concepção de revelação, a missão evangelizadora e missionária, a “eleição” do “povo de Deus”...
Também a TL e EL hão de enfrentar este desafio. Não podemos pedir que tenham antecipado tudo isto. Vão resistir muito dignamente ao desafio, mas em todo caso, certamente, devem enfrentá-lo, desenvolvendo ulteriores proposições. Concretamente o macroecumenismo da EL, se bem que em boa parte se tenha antecipado aos questionamentos atuais, pode sem dúvida dar um passo adiante em diálogo com tudo que se elaborou nestes últimos anos em torno deste tema do diálogo religioso.
Podemos dizer sem dúvida que o diálogo e o pluralismo religiosos são “um novo paradigma”, um novo esquema de pensamento, um salto qualitativo com o qual todo o universo do pensamento cristão está desafiado a concordar. Até onde nos levará...? É difícil prever, mas aqui temos já, para este início de terceiro milênio, uma tarefa coletiva nova, inexplorada, que, sem dúvida, vai ser apaixonante.
Quero destacar a chamada de atenção que há algum tempo Paul Knitter - um dos mais destacados teóricos dos questionamentos pluralistas - fez sobre a necessidade de que os teólogos do pluralismo religioso dialoguem com os teólogos da libertação. O “novo paradigma” do pluralismo religioso não vai significar uma abandono da TL e da EL. Ao contrário, vai pedir que o cristianismo traga ao diálogo inter-religioso o mais nuclear de si mesmo, o que constitui a própria essência do cristianismo, e, nesse campo, ninguém como a TL e a EL tem conseguido se remeter ao mais primitivo da herança bíblica e judeu-cristã. A TL e a EL não vão ser substituídas pela teologia do diálogo religioso, mas vão ser nele continuadas e continuadamente convocadas a se incorporar ao diálogo. O caminho prossegue.


9. A crise epocal.
Podemos assim chamar a uma crise mais ampla, mais de fundo, mais profunda e mais embaixo de tudo que acabamos de dizer, como uma crise que afeta os cimentos de todo o edifício. Martin Buber a chama de “eclipse de Deus”, lembrando-nos a expressão “Deus está morto” de Nietzsche. Juan Bautista Metz a chamou de “crise de Deus”, considerando-a o “fato nuclear” que está repercutindo na configuração da pessoa humana moderna. Os traços desta crise de religiosidade atual foram prodigamente descritos pelos comentaristas e sociólogos e não vamos repeti-los aqui.
Na prática, na Europa e na América do Norte, a gravidade da situação adquire níveis dramáticos. Claude Imbert, diretor de “Le Point” fala do “desmoronamento do universo cristão”. E. Poulat fala de uma “era pós-cristã”, de uma lenta “evaporação do sistema cristão” ou de uma “crise espetacular” que as Igrejas – sobretudo a católica – estão atravessando hoje em dia, e da distância considerável que existe entre a Igreja solenemente convocada por João Paulo II para o jubileu e aquela que cada dia os sociólogos da religião quantificam e analisam. Os números, com efeito, confirmam esta interpretação: nos Países Baixos, por exemplo, no Centro da Europa, a percentagem dos cidadãos que têm ensino superior e declaram não formar parte de nenhuma Igreja passou de 44% em 1970 para 66% atualmente. Se dermos crédito a um estudo recente, 75% dos holandeses estarão fora de qualquer Igreja em 2010. A prática dominical continua em baixa contínua em todos os países europeus, e o catolicismo alemão perde concretamente cada ano cerca de duzentos mil fiéis. Na católica Espanha, José Maria Mardones afirma que “em dez anos, os efetivos eclesiais estarão dizimados, algumas instituições religiosas e dioceses praticamente desaparecerão”, e acrescenta: “o pior é que já não há possibilidades de reagir criativamente, cabem apenas medidas reativas e de defesa: fazer uma retirada ordenada e inteligente, com o menor custo possível.
Não pensemos muito precipitadamente em nosso Continente na hora de resolver a crise primeiromundista, porque a Igreja católica do Brasil perde anualmente mais de 500 mil fiéis, que emigram para as Igreja evangélicas e para novos movimentos religiosos (Lupeau – Michel). No mesmo Brasil, 70% das celebrações dominicais se realizam sem a presença de ministro ordenado.
É lógico que, numa situação assim, a Igreja católica registre as reações típicas das instituições em perigo ou em crise de esperança, como aquelas às quais aludimos no item 6. É um círculo vicioso que esperamos que seja logo quebrado.
É lógico que, a EL, ao ser uma espiritualidade voltada para o mundo, reinocêntrica, não esteja espontaneamente inclinada a se ocupar do intraeclesiástico. A isso acrescenta-se um sentimento como de pudor e de pena; preferiríamos que tudo isso não fosse realidade e, por ser desagradável, tende-se a pensar que é melhor construir positivamente o Reino fora do que discutir a problemática interna dentro...
Mas toda essa situação de mal estar e de desconforto é algo cujo enfrentamento a TL e a EL não podem continuar adiando. Os muitos cristãos e cristãs desorientados e decepcionados merecem uma palavra. A gravidade da situação também merece uma abordagem urgente, humilde, mas nada tímida. A libertação integral que a TL e a EL proclamam inclui a libertação da desesperança e da crise de futuro que esta situação está gerando.

 
10. Um novo tempo axial?

 
Dispostos a ir até o fundo na análise da crise em curso, devemos tomar consciência das múltiplas vozes que repetem uma e outra vez que estamos em uma “mudança de época”, muito mais profunda do que se poderia imaginar. Cada vez é mais freqüente a lembrança da mutação civilizacional que Jaspers denominou de “mudança do tempo eixo”, que abarcou aproximadamente uns 500 anos, entre 800 e 200 A.C., e que introduziu na consciência humana uma ruptura radical, a partir da qual se operou uma profunda inflexão no curso da história e da civilização tal como as conhecemos hoje em dia (Carlos Palacio).
A secularização, entendida como esse processo que começou na idade moderna, não é a causa última da crise que experimentamos. Para Pánikar, a secularidade atual indicaria que “o passado período de 6.000 anos está sendo substituído progressivamente por outras formas de consciência. No meu entender, a consciência histórica, ou o mito da história, começou a ser substituído Kairologicamente (não cronologicamente) pela consciência transhistórica. Talvez estejamos enfrentando outro “período axial”.
Tudo parece abonar a hipótese de que nossa época está vivendo uma mudança religiosa que não se esgota na reelaboração da tradição, como ocorreu permanentemente ao longo da história religiosa da humanidade, mas que autorizaria a afirmação de que se trata de uma mudança no próprio horizonte em que se inscrevem as tradições e no sentido que lhes é atribuído. Isto é, forçaria a reconhecer uma verdadeira “metamorfose do sagrado” (J. Martin Velasco).
Acontece uma crise das crenças, uma progressiva emancipação dos crentes com respeito à ortodoxia vigente nas Igrejas, abandonam-se as práticas religiosas, distanciam-se os fiéis da moral oficial, dilui-se o sentimento de ser propriedade da instituição, produz-se uma regulagem individual do sistema religioso (uma “religião de escolha”)... A crise da religião nos países ocidentais de tradição cristã é um fato unanimemente reconhecido. E, afortunadamente, cada vez se é mais consciente da envergadura e da profundidade epocal que a crise tem...
A crise é, então, maior e mais profunda do que se poderia imaginar à primeira vista. Não é nossa, não é da TL e da EL. Transborda inteiramente, é impossível abarcá-la. Nós a sofremos, estamos no meio dela, como ocorre com todos os outros. Convém sermos conscientes disso para não desanimar nem culpabilizar-nos indevidamente. A própria crise precisa de ser sistematizada como um novo Kairós moderno, uma oportunidade de reformular, de reinterpretar, de recriar inclusive toda a religiosidade em diálogo com a situação do homem e da mulher modernos. A TL e a EL, em vez de maldizer a escuridão da crise, hão de colaborar para acender uma luz.
Perguntamo-nos: será que a TL e a EL, com o que significaram no momento de sua irrupção na terceira parte do século XX, eram precisamente uma tentativa positiva e original de recriação (“refundação” é o nome usado agora) do cristianismo, que respondia a essa necessidade epocal de repensar tudo de cima até embaixo? Acreditamos que sim, acreditamos que, apesar de perseguidas e difamadas, a EL e a TL serão os pontos mais avançados do cristianismo, que ajudarão a atravessar a crise com credibilidade e com criatividade.

 
Questões para ajudar a Leitura individual ou o Debate na Comunidade religiosa o na Comunidade cristã.

 
1. A Vida Religiosa latino-americana e as CEBs têm sido os sujeitos coletivos a quem a Espiritualidade da Libertação mais deve. Por sua própria natureza de experiência forte de Deus, de seguimento de Jesus em radicalidade, de liberdade diante da estrutura hierárquica do poder, procurou libertar-se para se deixar impulsionar pela profecia e pela solidariedade com os oprimidos.
Como esta hoje a vida religiosa a respeito da EL? Continua sendo um sujeito coletivo que a apóia? Sai a vida religiosa em defesa da opção pelos pobres, na defesa das perspectivas liberadoras? Onde está hoje maioritariamente a vida religiosa em seu compromisso com os pobres e excluidos: alentando a libertação ou a resignação, com o asistencialismo da promoção humana ou com os projetos liberadores, consolando ou conscientizando…?
2. (A respeito especialmente do ponto 6, a situação eclesial). Qual é realmente a situação da Igreja como comunidade humana e cristã hoje em dia, com relação à liberdade, com relação aos direitos humanos dentro dela, a participação comunitária em sua gestão, a situação da mulher?
Como qualificar a posição atual dos religiosos e das comunidades cristãs diante desses problemas: ausência, participação no sofrimento, denúncia profética, ajuda positiva (ainda que inevitavelmente conflitiva) para fazer a Igreja avançar, inibição, voz dos que não têm voz, compromisso militante contra qualquer tipo de opressão dentro da Igreja?
3. Por baixo da aparente crise de simples cansaço, apatia ou depressão, as águas estão se movendo profunda e vertiginosamente. O tema do diálogo interreligioso e do pluralismo religioso irromperam com toda força no cenário mundial das religiões. Está em curso por outra parte uma crise de fundo de dimensões epocais. Muitas coisas do velho mundo que morre clamam por uma reformulação criativa, uma recriação original que as torne aptas para dialogar com o mundo novo que ainda não acabou de nascer.
Como estamos como religiosos/as, “especialistas em Deus” no dizer de Paulo VI, e as comunidades cristãs de vanguardia, diante de todos estes desafios da espiritualidade da libertação? Temos lido ou ouvido falar em nossa comunidade da renovada opção pelos pobres em contexto neoliberal? da teologia do pluralismo religioso? Quanto temos estudado ou simplesmente escutado sobre a metamorfose atual do religioso em comparação com a crise do “tempo axial” que Jaspers situa no século VII A.C.? São temas que estão na agenda de nossa formação permanente, pessoal ou comunitária? Que preocupação lhe dedicam nossas congregações como entidades globalmente responsáveis? As congregações que se dizem missionárias estão preocupadas em estudar e enfrentar estes fenômenos que indicam como será o futuro, ou estão simplesmente tapando os buracos de um sistema já decadente, destinado a morrer?


José Maria Vigil

Fonte: http://servicioskoinonia.org/

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

TdL em Mutirão 29

REPORTAGEM ESPECIAL: A IGREJA DA LIBERTAÇÃO!
ENTREVISTA COM GUSTAVO GUTIÉRREZ

 
Em entrevista exclusiva a Adital o Pe. Gustavo Gutiérrez, um dos maiores representantes da Teologia da Libertação, fala sobre a Igreja da Libertação e aborda suas motivações profundas, as perspectivas e a reflexão da sua prática sistematizada pela Teologia da Libertação. Refere-se, também, às responsabilidades do trabalho teológico atual em relação às soluções exigidas pelos problemas mundiais graves, tais como a fome e as guerras autoritárias, ao desafio da diversidade cultural latino-americana e ao protagonismo dos diferentes setores populares, abrangidos pela prática pastoral profética. Por último, partilha suas atuais preocupações teológicas, sua opinião sobre os recentes processos políticos democratizadores na América Latina e sua inserção à família dominicana, de onde, atualmente, seu trabalho teológico.

A entrevista é apresentada no final da série de Reportagens sobre a Igreja da Libertação nos países andinos -Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela y Peru, publicada por ADITAL, de 26 de Março a 23 de Abril-, indicando as perspectivas que a Igreja da Libertação na América Latina oferece.

 
ADITAL - Os teólogos da libertação sistematizaram uma vivência que foi nascendo no meio popular da igreja. Você foi o primeiro a reconhecer e a escrever sobre a nova ação do Espírito na América Latina. Você recorda um fato concreto ou o momento em que sua atenção se voltou para as novidades que estavam nascendo dentro da igreja?

 
Gustavo Gutiérrez - É difícil falar de um fato singular. Trata-se da confluência de dois processos históricos.

Por um lado, através de pequenos passos que se foram acelerando com o passar dos anos, assistimos, nas décadas de 1950 e 1960, a uma nova presença dos pobres do continente na cena social e política. Os que haviam estado, de certo modo, "ausentes" de nossa história (fisicamente sempre haviam estado aí, mas estavam invisibilizados), começaram a fazer-se presentes. Chegavam, como dizia Bartolomé de las Casas sobre os índios, no século XVI, "com sua pobreza nas costas".

Por outro lado, com esta irrupção histórica do pobre, que não estava - e que não está - a não ser em seus primeiros momentos, converge outro processo que se desenvolve dentro da igreja católica: o Concílio Vaticano II. O Concílio insistiu na intuição de João XXIII: estar atento aos signos dos tempos; abrindo, dessa forma, novas pistas para a vida cristã e para o anúncio do evangelho. Nessa linha, o Papa João falou, pouco antes do início do Concílio, da igreja dos pobres, encarregando-se da nova consciência que se tinha dessa condição desumana a que chamamos pobreza.

Esses dois processos, cujo alcance percebemos lentamente, levaram muitos cristãos, dos meios populares e de outros ambientes sociais a comprometer-se com os pobres e contra a pobreza, como uma exigência de sua fé, se aprofunda a pastoral em meios pobres, as comunidades cristãs nesses âmbitos são afiançadas, buscando pensar sua fé desde essa experiência. A Teologia da Libertação busca refletir sobre essa prática à luz da mensagem cristã. Se tivéssemos que buscar um fato, como ponto de partida, seria a prática que mencionamos.

 
ADITAL - Qual é a motivação profunda dessa vivência teológico-pastoral que continua inspirando a tanta gente, apesar do modelo de igreja e de sociedade vigentes?

 
Gustavo Gutiérrez - Tenho a impressão que isto se deve a vários fatores. A um estreito contato com a realidade e com as mudanças inevitáveis que nela acontecem. É uma reflexão sobre a fé que não pretende colocar-se em um ângulo morto da história para vê-la passar, colocando-se em uma neutralidade cômoda diante dos acontecimentos que golpeiam as pessoas. Mas, busca - com todas suas limitações e com o que ainda tem que fazer -, como o Verbo de Deus, segundo o evangelho de João, colocar sua tenda dentro da história, da vida cotidiana.

Um segundo elemento: isso significa que é uma teologia fortemente marcada pela leitura da Bíblia, que nos revela um Deus da vida que rejeita a situação de morte prematura e injusta, significação última da pobreza. Morte física, prematura e injusta, é o que vemos, claramente, no mundo de hoje; morte cultural, também, na medida em que se discrimina a alguém por razões culturais, raciais ou por sua condição feminina. Tudo isso é a pobreza na Bíblia e, por isso, apresenta-se desse modo, desde o início, na Teologia da Libertação. Nessa perspectiva, apesar da dimensão econômica ser muito importante, é apenas uma das dimensões. É importante perceber a complexidade, ou, como dizem os economistas, a multidimensionalidade da pobreza.

Outros fatores contam muito: as opções feitas pela igreja latino-americana em Medellín, Puebla e Santo Domingo e também o testemunho - inclusive entregando sua própria vida - de numerosos cristãos, em seu esforço por reconhecer o rosto de Cristo no rosto dos maltratados e oprimidos.

 
ADITAL - Que seria mais urgente para que a Teologia e a Prática Pastoral da Libertação ajudem o mundo a encontrar soluções para problemas, tais como a fome, a guerra, o autoritarismo armado, etc.?

 
Gustavo Gutiérrez - Denunciar tudo o que atenta contra a dignidade da pessoa, especialmente, daqueles que sofrem, sistematicamente, situações de injustiça. O amor ao próximo é inseparável do amor de Deus.

Os problemas que vocês mencionam na pergunta são fatos históricos complexos, com aspectos que se movem em campos nos quais a reflexão teológica não tem uma competência especial. Porém, tem uma contribuição a dar. Ela pode fazer com que cresça o respeito pelos direitos humanos, bem como o rechaço que a sua violação (como a causada pela fome, pela guerra, pela tirania) deve provocar em uma pessoa que crer e em toda pessoa. Não se deve esquecer que a religião, o cristianismo inclusive, tem sido utilizada e continua sendo, para justificar essas situações. Estamos presenciando isso por ocasião da invasão do Iraque, uma guerra - com todos os sofrimentos que acarreta e com as conseqüências que poderão durar por anos - sem nenhuma justificativa, como anunciou, energicamente, o Papa João Paulo II.

Muitas vezes se pensa, e, em muitos casos, esta idéia tem-se arraigado em alguns setores populares, que a pobreza é algo assim como um fato natural, quase uma fatalidade. Um destino e não, como realmente é, uma condição criada por mãos humanas e, portanto, suscetível de ser mudada. Não há solução aos problemas mencionados, e a tantos outros semelhantes, se, juntamente com as imprescindíveis medidas de ordem social, político e legal, não mudarem a mentalidade para poder criar os caminhos que enfrentem as situações desumanas. A quantidade de cristãos que foram assassinados ou passaram por outras formas de maltrato e exclusão na América Latina, por serem solidários e por dar testemunho, prova que não falamos de abstrações.

 
ADITAL - A nova visão teológica que nasceu na América Latina poderia ser, também, um denominador comum para contribuir à unidade entre as culturas de nosso continente?

 
Gustavo Gutiérrez - Não sei se a expressão correta seria dizer que ela pode ser um denominador comum. Porém, o certo é que a grande maioria da população da América Latina vive em uma condição de marginalidade e insignificância social, ocasionada por causas distintas. É importante estar atento a essa diversidade e a não reduzir a situação de conjunto a apenas um dos motivos que a produzem; além disso, em muitos casos, as causas se acumulam nas mesmas pessoas.

É legítimo e enriquecedor acentuar uma dimensão que consideramos pouco valorizada, porém seria grave que se fizesse em detrimento de outros aspectos da situação de insignificância, com o risco de criar uma oposição, no fundo absurda, entre os que partilham uma condição de pobreza e marginalização. Este é o ponto chave na perspectiva da Teologia da Libertação.

 
ADITAL - A partir da Teologia da Libertação nasceram outras teologias, tais como: a Teologia Afro, Índia, da Mulher, favorecendo a inculturação. Como a reflexão teológica pode contribuir para fortalecer a articulação destes diferentes setores da sociedade?

 
Gustavo Gutiérrez - Creio que esse é um dos fatos mais importantes na reflexão teológica que se faz entre nós. Essas teologias são uma expressão do processo em curso que denominamos de irrupção do pobre. O aprofundamento das diversas vertentes da situação de marginalização e de exclusão permite vislumbrar a crueldade das situações em que vivem tantos habitantes deste continente, e, ao mesmo tempo, reforça a percepção de que a pobreza não é unicamente carência; os pobres são seres humanos com valores humanos e culturais e podem contribuir muito no processo de libertação, para uma convivência social humana e justa e à inteligência da fé.

As diferentes linhas teológicas mencionadas na pergunta sublinham uma diversidade enriquecedora para todos; elas estão em pleno processo, realizando um trabalho sumamente valioso e tem muito pela frente. Parece-me que sim, a Teologia pode exercer um papel na articulação que se alude; porém essa articulação requer uma boa análise social e histórica que permita ver, em toda sua crueza, os desafios comuns que enfrentamos.

 
ADITAL - Quais são os temas que a realidade latino-americana coloca ao fazer teológico, hoje? Quais dentre estes temas você está trabalhando prioritariamente?

 
Gustavo Gutiérrez - Quiçá, o primeiro que convém dizer é que a pobreza, com a complexidade que se falou, não é somente um problema social, o que é importante para os que sentem uma vocação especial neste campo. Trata-se de uma questão humana que se constitui em uma interpelação à consciência cristã, por isso é um desafio à reflexão teológica.

A Teologia está a serviço da vida cristã, do seguimento de Jesus, que chamamos espiritualidade, e a serviço da tarefa eclesial do anúncio do evangelho. Esta é sua razão de ser, é uma re-flexão que vem depois da prática do cristão, com vistas a contribuir à sua fidelidade ao testemunho e ao ensinamento de Jesus, que nos faz caminhar por duas grandes vias, sem as quais não há vida cristã autêntica: a contemplativa ou mística e a profética ou do compromisso na história. A Teologia da Libertação vem de uma pergunta: como dizer ao pobre - e a toda pessoa - que Deus o ama, quando suas condições de vida parecem contradizer esse amor que a Bíblia considera, inclusive, dirigido a eles, em primeiro lugar.

Atualmente, estou tentando retomar os fundamentos bíblicos da opção preferencial pelo pobre - que constitui o centro mesmo da Teologia da Libertação - para considerar o que esta perspectiva tem a dizer diante dos desafios que se apresentam hoje, como a globalização, por exemplo. Se nos inspiramos em um texto do Antigo Testamento, penso que é importante perguntar-se por onde dormirão os pobres no século que acaba de começar. A Teologia é uma hermenêutica, uma interpretação da esperança, dos motivos que temos para esperar. Por isso está estreitamente ligada a como viver hoje a mensagem de Jesus.

 
ADITAL - Qual sua apreciação sobre os processos político-sociais que culminaram nos resultados eleitorais do Brasil, da Bolívia e do Equador?

 
Gustavo Gutiérrez - Bem, há variações grandes entre esses três processos. O caso do Brasil é particularmente significativo. É interessante, sem dúvida, que, de uma maneira ou de outra, a voz dos marginalizados se faça ouvir. Porém, sabemos da instabilidade dos processos políticos, das pressões internacionais e de outros obstáculos que se encontram no caminho das mudanças sociais importantes. Não faço estas observações em tom pessimista, mas para que se pense que é necessário estar vigilantes e não esquecer que são requeridas mudanças mais profundas as quais, apesar de vinculadas a processos políticos, os ultrapassam.

 
ADITAL - Qual o significado de sua inserção na família dominicana e qual a repercussão dessa decisão em seu trabalho teológico?

 
Gustavo Gutiérrez - É o resultado de um processo muito longo, de muitos contatos pessoais e de diferentes situações. Alguns aspectos foram importantes, tais como a afinidade ao modo de fazer Teologia, ligada à predicação e à espiritualidade, que aprendi com os mestres dominicanos Chenu, Congar, Schillebeeckx e outros; e de um outro aspecto, distante no tempo, mas, próximo, por outras razões, Bartolomé de Las Casas. Espero, nesta nova situação, ter um marco importante para trabalhar a linha teológica que acabo de recordar. Aprecio e agradeço a maneira fraterna com que fui acolhido.

 
[Reportagem publicada originalmente em 25/04/2003].





TdL em Mutirão 28

DEUS, CRISTO E OS POBRES. LIBERTAÇÃO E SALVAÇÃO NA FÉ À LUZ DA BÍBLIA

Como se pode perceber ao longo deste livro, o conflito na Teologia da Libertação baseia-se num pressuposto fundamental que ambas as partes reconhecem, mas do qual tiram conclusões contrárias. Se o um e o mesmo Jesus Cristo é verdadeiramente ser humano e verdadeiramente Deus, há duas possibilidades. Ou ele é visto prioritariamente como o Deus que permaneceu transcendente e que salva (assim Clodovis Boff), ou ele é visto como aquele ser humano em que Deus se tornou o irmão de todos, especialmente dos pobres, passou a ser igual a eles e assim os salvou (assim os teólogos da libertação criticados por Clodovis Boff).

Segundo essa doutrina tradicional, mas não bíblica, Deus tornou-se ser humano para que o ser humano se tornasse Deus. Isso impossibilita explicar a transcendência de Deus e a importância que a fé nesse Deus maior possui para a esperança na salvação e para a moldagem de uma prática social libertadora. A teologia pode ser substituída por uma antropologia "platonizante” idealista, na qual Deus ainda é sinônimo para o futuro do ser humano, mas já não é o fundamento maior permanente e o Senhor dele. Por isso, em sua crítica a essa "virada antropológica” na teologia moderna (C. Boff 2007, 1009), Clodovis Boff percebe algo que é correto, mas não vai suficientemente longe. Ele assume os mesmos pressupostos dogmáticos em vez de questioná-los e corrigi-los numa releitura da cristologia bíblica. É sintomático que ele se refira somente a uma "transcendência da fé” ou mais generalizadamente à "transcendência” que é a "parte menor e menos relevante” na Teologia da Libertação (ibidem, 1005), mas não da transcendência de Deus acima da criação e dos seres humanos.

O Deus transcendente e o ser humano a ser salvo não podem se tornar iguais, nem mesmo por graça. Isto se aplica também a Jesus Cristo. Por isso, Jon Sobrino enveredou em sua cristologia e soteriologia pelo caminho certo, na medida em que rejeitou a transferência de atributos divinos ao ser humano Jesus Cristo. Ele permaneceu contraditório, porém, na medida em que supôs ao lado desse Cristo humano um Cristo divino, segundo o dogma de Niceia (cf. Cap. 5). Uma reorientação do pensamento nesse ponto permitiria também uma melhor consideração das possibilidades humanas limitadas e da inevitabilidade do sofrimento numa criação que é limitada e ainda está passando pelas dores do parto. Uma volta para a visão bíblica da transcendência inabolível de Deus também acima de Jesus Cristo, bem como da salvação através da reconciliação com a finitude da existência a caminho para a plenificação esperada de Deus poderia provavelmente ajudar a solucionar a "contenda entre irmãos” na Teologia da Libertação. Além disso, seria um grande desafio para o magistério que também precisaria mudar seu pensamento nessas questões. Essa volta para a fé bíblica e sua releitura seria pelo bem da teologia e da igreja, e assim também e principalmente pelo bem das pessoas pobres. A libertação delas é a preocupa­ção compartilhada por ambas as partes do conflito e oxalá as unirá em breve.

Afinal, a opção pelos pobres não é apenas o tema de uma "teologia de segunda ordem”, separada como um campo parcial secundário ou uma mera aplicação de uma "teologia de primeira ordem” que iniciaria com Deus e a partir da qual todo o resto poderia ser deduzido. Esta é a posição de Clodovis Boff criticada por Weckel e Aquino Júnior (Weckel, 13-16; Aquino Júnior, 82-104). Deus é e permanece transcendente para o ser humano – também para Jesus Cristo – e nesse sentido precisa ser o "tema” mais importante dentro da teologia que é uma. Por isso, podemos falar dele somente quando partimos do ser humano e interpretamos, retroativamente e no modo de busca, nossas experiências em relação a Deus como o fundamento de nossa existência. Se passarmos ao largo dos seres humanos concretos e da história da salvação, não teremos acesso a Deus. Emprestando as palavras de Júnior: "O Deus bíblico revela-se como Deus dos pobres e dos oprimidos (embora ele seja mais do que isto)” (Aquino Júnior, 99s). Por isso não existe, no sentido bíblico-cristão, uma "teologia de primeira ordem” ou uma "teologia da fé” (cf. C. Boff 2007, 1006) antes ou acima da Teologia da Libertação como uma "teologia de segunda ordem” que tratasse dos seres humanos e preferencialmente dos pobres. Existe apenas uma única teologia, e esta sabe da transcendência de Deus e parte por isso de modo histórico-concreto das experiências humanas, especialmente aquelas que se tornaram possíveis graças à vida e obra de Jesus e que devem ser testemunhadas numa prática adequada – numa prática libertadora.



Fonte: [in Wess, Paul: DEUS, Cristo e os Pobres. Libertação e Salvação na Fé à Luz da Bíblia. Apresentação: João Batista Libanio. Tradução do alemão: Monika Ottermann. São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2011. www.nhanduti.com, p. 196-198].

Sobre o autor:
Paul Wess, nascido em 1936 em Viena (Áustria), estudou filosofia e teologia em Innsbruck (inclusive com Karl Rahner), onde obteve em 1961 seu doutorado em filosofia. Ordenou-se presbítero em 1962 e trabalhou em Viena como vigário paroquial e professor de ensino religioso. Após um tempo de reorientação e novos estudos (1965/1966), assumiu –inicialmente numa equipe de padres– o trabalho numa paróquia recém-fundada em Viena (Machstrasse - Rua Mach), com o objetivo de formar comunidades de base e fazer experiências concretas de uma igreja communio.
Em 1968, obteve o doutorado em teologia pela Universidade de Innsbruck com a tese "Como falar de Deus? Um debate com Karl Rahner” (Graz, 1970), e em 1989 a habilitação para o ensino universitário da teologia pastoral com a tese "Igreja de Comunidades – Lugar de fé. A prática como fundamento e consequência da teologia” (Graz, 1989). Liberado para o ensino universitário em 1996, foi o primeiro professor convidado em Graz (Áustria) e em Würzburg (Alemanha) e, desde 2000, é professor de Teologia Pastoral na Universidade de Innsbruck. Em 1992 participou como membro da delegacia austríaca do 8º Intereclesial das CEBs, em Santa Maria.

Nos países de fala alemã, Paul Wess é um dos principais defensores das comunidades de base, da revisão dos conteúdos da fé e da reestruturação da Igreja Católica segundo os princípios bíblicos de fraternidade e sororidade ("Geschwisterliche Kirche”). Seus numerosos ensaios e artigos deram origem a vários livros e coletâneas, alguns deles já "verificados” pelo Vaticano; mas, por enquanto, ainda não objetos de notificações.

TdL em Mutirão 27

ENTREVISTA – FRANCISCO DE AQUINO JUNIOR: "TODA TEOLOGIA É SOCIAL: QUEIRA OU NÃO QUEIRA, TENHO OU NÃO TENHA CONSCIÊNCIA DISSO"!


"Toda teologia é social: queira ou não queira, tenha ou não tenha consciência disso”. Esta é uma das frases contidas na entrevista concedida recentemente pelo teólogo e escritor Francisco de Aquino Junior à ADITAL. Aqui, ele fala sobre o caminhar da Teologia da Libertação e seus desdobramentos durante essas últimas décadas.

A citação também faz referência ao seu livro A dimensão socioestrutural do reinado de Deus – Escritos de teologia social, no qual o autor se debruça sobre os avanços, desafios sobre esse modo de ser e viver a Igreja nos dias atuais. "Falar de Deus é tão importante e tão teológico quanto falar dos processos de organização e estruturação coletivas da vida humana”, diz.

Francisco Aquino Junior é Doutor em teologia pela Westfälische Wilhelms-Universität de Münster (Alemanha), professor de teologia na Faculdade Católica de Fortaleza e presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte, no Ceará. Publicou ainda A teologia como intelecção do reinado de Deus: o método da teologia da libertação segundo Ignácio Ellacuria.

 
ADITAL - Seu livro A dimensão socioestrutural do reinado de Deus – Escritos de teologia social foi lançado há poucos dias pela Editora Paulinas. É o segundo livro que você escreve a partir da teologia da libertação. O que isso significa em termos eclesiais? É uma novidade?

 
Francisco de Aquino Junior - Significa, em primeiro lugar, que continua existindo uma Igreja da libertação, comprometida com os processos históricos de libertação. Porque existe também uma Igreja comprometida (por aliança ou por omissão) com os processos históricos de dominação – tanto no passado quanto no presente. E significa, em segundo lugar, que esse compromisso da Igreja com os processos de libertação e os próprios processos de libertação enquanto tais são refletidos e sistematizados teologicamente. É o momento teórico de um processo histórico-práxico. No início da década de 1970, Gustavo Gutiérrez já falava da teologia como "reflexão crítica da práxis histórica à luz da Palavra”, como "um momento do processo por meio do qual o mundo é transformado, abrindo-se ao dom do reino de Deus”. E Ignacio Ellacuría, nesse mesmo período, falava da teologia como "momento consciente e reflexo da práxis eclesial” que é a práxis do reinado de Deus.
Neste sentido, o livro não constitui propriamente uma novidade. Ele se situa dentro da tradição teológica que vem sendo desenvolvida na América Latina e mundo inteiro nos últimos 40 anos, conhecida como Teologia da Libertação (TdL). O que pode ser novo é o modo de tratar certas questões (fé-política, dimensão social da fé), a abordagem de problemas mais recentes (globalização, meio ambiente, povo da rua) e o próprio fato de se continuar fazendo TdL frente à insistência dos profetas de calamidade, comprometidos com os impérios de ontem e de hoje, em "anunciar” o fim ou a morte de uma teologia comprometida com os pobres e oprimidos deste mundo.

 
ADITAL - Na introdução do seu novo livro você afirma que a Teologia da Libertação e as que dela derivaram, são sociais, sendo o ser humano um ser social (seu saber é social, seu trabalho, etc.). Esta é uma característica específica desta teologia?

 
Francisco de Aquino Junior - Toda teologia é social: queira ou não queira, tenha ou não tenha consciência disso. Ela trata da história da salvação que tem uma dimensão social constitutiva; ela responde ou corresponde a determinados interesses sociais; ela está ligada a uma tradição eclesial que é uma força social; ela utiliza mediações teórico-conceituais socialmente produzidas e mediadas; e tem sempre um caráter conflitivo. O que acontece é que nem sempre ou quase nunca (por ingenuidade ou por má fé) os/as teólogos/as assumem explicitamente o caráter social de suas teologias nem muito menos se perguntam a quem servem/interessam essas teologias ou quem se dá bem com elas. A TdL é uma das poucas teologias que desde o início assumiu explicitamente tanto seu caráter social, quanto o lugar social a partir de onde ela deve ser produzida e onde ela deve ser testada/provada: o mundo dos pobres e oprimidos.
Dito isto, é preciso evitar um mal entendido acerca da TdL. O fato de ter uma dimensão ou um caráter social constitutivo, não significa que seja uma teologia das questões sociais, como defendia no passado e voltou a defender nos últimos tempos Clodovis Boff. A TdL não é simplesmente uma teologia do social. Ela trata de tudo, inclusive ou mesmo especialmente do social, a partir e na perspectiva do reinado de Deus, cujo critério e cuja medida são sempre as necessidades dos pobres e oprimidos deste mundo (Mt 25, 31-46; Lc 10,25-37). Na medida em que trata da história da salvação ou do reinado de Deus, trata de Jesus Cristo, trata do mistério de Deus, trata do ser humano, trata da Igreja, trata dos sacramentos etc., e trata também de questões mais direta e explicitamente sociais, como é o caso do livro que estamos comentando.
Nesta perspectiva, falar de Deus é tão importante e tão teológico quanto falar dos processos de organização e estruturação coletivas da vida humana – sempre a partir e em vista do reinado de Deus. E não sejamos ingênuos. Não é que primeiro tenhamos que falar de "Deus em si” para depois falar da vida humana, pois todo discurso sobre Deus está mediado por uma experiência histórica concreta. No caso da tradição judaico-cristã, trata-se de uma experiência de libertação dos pobres e oprimidos que se constitui em critério do discurso sobre Deus, sobre a fé e sobre a vida em geral.

 
ADITAL - Entendemos que a teologia nasce dentro da fé que se pauta pela prática da vida de Jesus Cristo. Portanto uma única referência com práticas e teologias diferenciadas, a partir das culturas e das diferentes situações sociais?

 
Francisco de Aquino Junior - O que está em jogo na fé e na teologia cristãs é sempre a realização histórica do reinado de Deus, como afirmamos há pouco. E o reinado de Deus diz respeito não somente a Deus, mas a seu reinado sobre a vida humana e mesmo sobre a totalidade da criação. Neste sentido, a teologia deve tratar de todas as questões e de todas as dimensões da vida humana, sempre a partir dos pobres e oprimidos e sempre na perspectiva de sua libertação. Esse "a partir de” e "na perspectiva de” é o que permite falar de TdL no singular. Mas na medida em que trata de questões ou dimensões específicas, constitui-se como uma realidade plural. E isso é o que justifica falar de teologias da libertação no plural: feminista, negra, indígena, ecológica, macro-ecumênica etc.
Em síntese, a teologia é plural, na medida em que trata de temas, questões, dimensões e perspectivas distintas e o faz com distintas mediações prático-teóricas. É singular, na medida em que, tomando como critério a experiência bíblica de Deus, trata tudo isso a partir e na perspectiva dos pobres e oprimidos.

 
ADITAL - Até hoje, para muitos cristãos, o modelo da igreja ocidental era único e hegemônico, mas existem modelos diferentes e até conflitantes de igreja. Esses modelos são igualmente legítimos?

 
Francisco de Aquino Junior - Embora não exista acima nem independentemente das culturas, a Igreja não pode se identificar sem mais com nenhuma cultura. Deve encarnar-se nas mais diferentes culturas, sem perder a profecia nestas mesmas culturas. Mas isso é algo extremamente complexo e conflitivo, como se pode constatar no nascimento da Igreja "fora” do mundo judaico (Gl 2; At 15), na vivência da fé e em sua formulação teórica no mundo greco-helenista nos primeiros séculos, na ação missionária da Igreja ao longo de sua história e na chamada "mudança de época” que caracteriza o momento presente.

A tentação constante é absolutizar uma determinada configuração histórica da Igreja, o que normalmente vem junto da defesa (nem sempre explícita) de determinados privilégios e interesses. Creio que aqui é muito importante ter presente que nenhuma cultura nem nenhuma configuração histórica da Igreja é absoluta, por mais valiosa/evangélica que seja e que o caráter missionário da Igreja exige que ela esteja aberta a todas as culturas, que possa adquirir diferentes configurações. E o critério evangélico de discernimento das diferentes culturas, das diferentes configurações da Igreja e da legitimidade dessas diferentes configurações está dado na única exigência que o chamado Concílio de Jerusalém fez às igrejas nascentes no mundo "pagão”: "somente pediram que nos lembrássemos dos pobres, questão que me esforcei por cumprir” (Gl 2,10).

 
ADITAL - No nosso continente vários países já realizam mudanças radicais na política, na economia, etc. Na hierarquia eclesiástica, porém, não há abertura para realizar as profundas mudanças que vários setores da igreja estão reivindicando com sempre mais força. E aí? É melhor trabalhar para o Reino de Deus e ignorar as igrejas?

 
Francisco de Aquino Junior - A questão é bem mais complexa...Em primeiro lugar, creio que é importante recordar com o Vaticano II que a Igreja é o povo de Deus, com seus carismas e ministérios. Ela não pode ser identificada sem mais com os que assumem o ministério de presidência da comunidade, seja oficialmente (bispos, presbíteros), seja na prática (lideranças comunitárias, agentes de pastoral). Neste sentido, ignorar a Igreja seria ignorar a presença e ação dos cristãos no mundo, seu compromisso com a realização histórica do reinado de Deus.
Em segundo lugar, é preciso reconhecer os ventos contrários ao espírito do Concílio, as tentativas de frear e mesmo barrar o processo de renovação conciliar, a "volta à grande disciplina”, o eclesiocentrismo etc., que foi se impondo na Igreja, sobretudo a partir de João Paulo II e da geração de bispos por ele nomeada. Há quem diga que quase exterminaram a raça dos profetas no meio episcopal...

 
Em terceiro lugar, não podemos negar nem menosprezar as grandes mudanças que se deram na Igreja, particularmente na América Latina, nas últimas décadas. Seja no que diz respeito à identidade eclesial (missão como compromisso batismal e não como encargo da hierarquia), seja no que diz respeito à democratização eclesial (não apenas bispos e padres, mas também comunidades, pastorais e movimentos falam como Igreja e em nome da igreja), seja no que diz respeito àquilo que constitui o centro da vida e da missão cristã (realização histórica do reinado de Deus). E não obstante todos os limites destes avanços e todos os conflitos que eles implicaram e acarretaram.
Em quarto lugar, não podemos ser tão otimistas/ingênuos com relação às mudanças econômicas e políticas que vêm ocorrendo em alguns países da AL nos últimos anos. É que elas que não são tão radicais como afirmam seus promotores e propagadores. Embora tenha havido um crescimento significativo das políticas sociais em alguns países e isso tenha ajudado a reduzir o índice de pobreza absoluta, quase não alterou a estrutura econômica neoliberal em curso. É o caso, sobretudo, do Brasil, onde, como indica Marcio Pochmann, a diminuição da "pobreza absoluta” (de 71,5% em 1978 para 31,4% em 2008) foi acompanhada de um crescimento da "pobreza relativa” (de 23,7% em 1978 para 45,2% em 2008): "a tendência positiva de redução da pobreza absoluta parece implicar na migração para a pobreza relativa”, afirma.
Tudo isso para dizer que o fundamental da vida cristã é o compromisso com a realização histórica do reinado de Deus na sociedade, em geral, e na igreja, em particular. E que tanto na sociedade como na Igreja há sinais de sua presença e há forças contrárias a seu dinamismo. O grande desafio para nós é identificar esses sinais e potencializá-los e combater essas forças contrárias. Sem esquecer que o fazemos como Igreja de Jesus Cristo... Muitas vezes, apesar da Igreja...

 
ADITAL - O Fórum Social Mundial como o fogo do Pentecostes se multiplicou em milhares de chamas: fórum da saúde, educação, ecologia, teologia, de parlamentares, etc. Em cada fórum há centenas de padres, bispos, religiosos/as, cristãos militantes e oficinas de trabalhos realizados por pastorais. Esta seria a prática de Jesus para ‘ser sal e luz do mundo'?

 
Francisco de Aquino Junior - Com certeza! Onde quer que se defenda a vida, que se lute pela justiça, que se esforce e se empenhe na construção de um mundo mais justo e fraterno ai está o Espírito do Deus de Jesus e aí tem que estar aqueles/as que se deixam conduzir por este mesmo Espírito. Pouco importa a confissão religiosa. Nem todo aquele que diz Senhor, Senhor toma parte no reinado de Deus, mas aqueles que fazem sua vontade... Isso não nega a importância e mesmo a necessidade da Igreja, mas simplesmente põe no centro aquilo que é central: a realização do reinado de Deus, cuja característica e cuja medida mais importante é a justiça aos pobres e oprimidos deste mundo. Neste sentido, bem diz o profeta Pedro Casaldáliga, "tudo é relativo, menos Deus e a fome”...





terça-feira, 13 de setembro de 2011

TdL em Mutirão 26

CARTA ABERTA A NOSSOS MÁRTIRES


Escrevo a todos vós, nossos e nossas mártires,
que destes a vida pela Vida,
ao longo de toda a nossa América,
nas ruas e nas montanhas,
nas oficinas e nos campos,
nas escolas e nas igrejas,
de noite ou em pleno dia.
Por vós, nossos e nossas mártires, sobretudo,
nossa América é o continente da morte com esperança.


Escrevo em nome de todos os nossos povos e de nossas igrejas,
que vos devem a coragem de viver, defendendo sua identidade,
e a vontade obstinada de seguir anunciando o Reino,
contra o vento e a maré do anti-reino liberal
e apesar das corrupções de nossos governos,
ou das involuções de nossas hierarquias,
ou de todas as nossas próprias claudicações.
Acreditamos que enquanto houver martírio haverá credibilidade,
enquanto houver martírio haverá esperança.


Vós, nossos e nossas mártires, lavastes as vestes de vossos compromissos
no sangue do Cordeiro.
E vosso sangue em Seu sangue
continua lavando também nossos sonhos, nossas fragilidades
e nossos fracassos.
Enquanto houver martírio, haverá conversão,
enquanto houver martírio, haverá eficácia.
É morrendo que o grão de milho se multiplica.


Escrevo contra a proibição
dos poderes das ditaduras - militares, políticas ou econômicas -
e contra a covardia esquecediça de nossas próprias igrejas.
Bem que eles e elas quiseram impor-nos
uma anistia que fosse amnésia,
e uma reconciliação que seria claudicação.
Inutilmente.
Sabeis perdoar, mas quereis viver.
Não permitiremos que se apague o grito supremo de vosso amor,
nem vamos deixar que seja infecundo o vosso sangue.


Muito menos nos contentaremos, superficiais ou irresponsáveis,
em expor vossos pôsteres
e cantar-vos numa romaria
ou chorar-vos numa dramatização.
Assumiremos vossas vidas e vossas mortes
assumindo vossas Causas.
Aquelas Causas concretas
pelas quais destes a vida e a morte.
Aquelas Causas, tão divinas e tão humanas,
que desglosam em conjuntura histórica e em caridade eficaz
a Causa maior do Reino,
pela qual deu a vida e a morte e pela qual ressuscitou
o Primogênito dentre os mortos,
Jesus de Nazaré, o Crucificado-Ressuscitado para sempre.


Um a um, uma a uma vos recordamos,
e não dizemos agora nenhum de vossos ilustres nomes,
para dizer a vós todos e todas, numa só voz,
de amor e de compromisso:
nossos mártires! Mulheres, homens, crianças, anciãos,
indígenas, camponeses, operários, estudantes,
mães de família, advogados, professores,
militantes e agentes de pastoral, artistas e comunicadores,
pastores, sacerdotes, catequistas, bispos...
Nomes conhecidos e já incorporados ao nosso martirológio,
ou nomes ignorados, mas gravados no santoral de Deus.
Sentimo-nos como herança vossa, Povo-testemunho, Igreja martirial,
diáconos a caminho por essa longa noite pascal do Continente,
tão tenebrosa ainda, mas tão invencivelmente vitoriosa.
Não cederemos, não nos venderemos, não renunciaremos
a esse paradigma maior de nossas vidas
que foi o paradigma do próprio Jesus
e que é o sonho do Deus Vivo para todos os seus filhos e filhas
de todos os tempos e de todos os povos,
em todos os mundos, até o Mundo único e pluralmente fraterno:
o Reino, o Reino, seu Reino!

Com São Romero da América e com todos vós, nossos e nossas
mártires,
e unidos à voz e ao compromisso comum,
de todos os irmãos e irmãs de solidariedade que nos acompanham,
declaramo-nos "alegres de correr como Jesus
(como todos vós)
os mesmos riscos,
por identificar-nos com as Causas dos despossuídos".
Neste mundo prostituído pelo mercado global e pelo bem-estar egoísta,
com humildade e decisão, vos juramos:
"Longe de nós gloriar-nos
a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo"
e em vossas cruzes, irmãs da sua!
Com Ele e convosco,
seguiremos cantando a Libertação.
Por Ele e por vós,
saberemos jubilosamente
que nos cabe ressuscitar "mesmo que nos custe a vida".

D. Pedro Casaldáliga
testemunha de muitos/as mártires




quinta-feira, 1 de setembro de 2011

TdL em Mutirão 25

ORAÇÃO, ORAÇÃO, ORAÇÃO

Tomem nota mesmo: sem oração (cristã) não há espiritualidade cristã. A espiritualidade é mais do que só oração, porque também é serviço, renúncia, luta contra a injustiça, promoção do Reino de Deus. Mas de nossa oração depende fundamentalmente nossa espiritualidade!

A que Deus oramos? Que tipo de oração fazemos? Até quanta oração?

Da resposta a estas perguntas dependerá nossa espiritualidade. Não nos enganemos.

A ação não é oração.

O serviço não é oração.

A luta pelo Reino não é oração.

A oração é oração.

Posso dizer mais? Tacando mesmo?

Moça ou rapaz da Pastoral da Juventude que não faz todo dia meia hora de oração é um traste a mais na Pastoral da Juventude...

Jesus, a quem tentamos seguir, viveu intensamente a oração. Os evangelhos fazem questão de nos apresentar a oração de Jesus e como essa oração chamou a atenção de seus discípulos até o ponto deles lhe pedirem: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1). E vejam outras referências bem significativas, nos Evangelhos: Mt 4,1-2; Lc 5,16; Mc 1,35; Lc 6,12; Mt 26,39; Lc 22,41-44; Lc 18,1; Mc 14,32-42; Lc 23,34.46; Mt 27,46. Ele passava noites em oração, se retirava, madrugava para orar, insistia: “É preciso orar sempre sem desfalecer” (Lc 18,1).

A oração evidentemente se faz de muitos modos, mesmo sendo sempre uma comunicação com o Deus vivo.

Agradecer, pedir perdão, adorar, louvar, reclamar ajuda, contemplar em silêncio humilde e confiado. Cantando e meditando a Bíblia, lendo devagar um bom livro de espiritualidade e se voltando para Deus com a mente e com o coração (como as galinhas do quintal que bebem e levantam a cabeça). A sós, em família, com o grupo, na comunidade, com o povo em geral...

Esses padres e essas freiras e esses leigos e leigas, já mais crescidos e “sabidos” que acompanham a Pastoral da Juventude, bem que poderiam ensinar a orar, não é? Aliás, já ensinaram! Com o exemplo sobretudo...E podem indicar livros bons que ajudem a orar, e eles/as, rapazes e moças, podem organizar encontros para isso: para orar, para aprender a orar...

Quando organizarão o primeiro encontro desse tipo?

Tacada vai! Você querida, querido, ora meia hora todos os dias? Sim ou sim?


D. Pedro Casaldáliga

Fonte: TAVARES, Emerson Sbardelotti. O Mistério e o Sopro - Roteiros para Acampamentos Juvenis e Reuniões de Grupos de Jovens. Brasília: CPP, 2005.