O PENSAMENTO EURÍSTICO!
Emerson
Sbardelotti Tavares[1]
"O
que é o pensamento eurístico? É aquele pensamento que depois de ler alguém,
conhecer alguém, eu começo a pensar!" João Batista Libanio
Conheci o padre João Batista
Libanio, no ano de 1985, Ano Internacional da Juventude. Ele havia sido um dos
conferencistas naquele final de semana e nos falava sobre o Mundo dos Jovens
(título dado a um de seus livros sobre e para a Juventude), as expectativas que
se abriam no limiar da história da juventude brasileira. Com imensa humildade,
amor e humor, o padre Libanio se aproximava de nós como verdadeiro assessor,
pois suas inquietações nos levavam a pensar sobre o que estávamos vivendo na
realidade de então. Ele nos fazia perguntas fáceis, mas que necessitavam de
demoradas respostas, respostas ruminadas, respostas que fizessem o grupo
crescer.
Ele em todos os seus livros,
didaticamente, sempre fez questionamentos que iam, vão, no mais íntimo de nosso
ser. Mesmo sendo um Doutor em Teologia, não abria mão de estar no meio dos
pobres, do Povo Santo de Deus, apesar de toda erudição que tinha, conseguia
conversar de forma simples, delicada, para cada público um discurso, sempre
coerente e vivo. Aprendi com ele e tento
a cada dia viver: um bom teólogo não pode estar nunca somente na academia, ele
tem que estar onde o povo está, caso contrário de nada valerá a teologia que
recebeu e que faz!
Eu não conhecia os escritos do padre
Libanio, mas conhecia os de seus amigos queridos: Leonardo Boff e Carlos
Mesters. Através dos livros destes dois, e também depois daquela conferência,
comecei a comprar seus livros, e assisti-lo em VHS que uma editora católica
produzia, vídeos sobre Espiritualidade, Teologia, Jesus de Nazaré. Ele falava
sobre todos os campos da teologia com imensa facilidade, convicção e clareza.
Foi a partir do estudo de sua obra que comecei a entender melhor o que era a
Teologia da Libertação.
Autor de 125 livros, sem contar
artigos, não se recusava a escrever de próprio punho, cartas respondendo
perguntas ou me concedendo uma entrevista. Em todos os nossos encontros, e não
foram poucos, sempre trazia o recente livro, autografado, e eu lhe dizia que um
dia escreveria e também o presentearia. “Estarei
esperando...” sempre dizia e sorria.
Em 2012, nos agradecimentos da
monografia Ecoteologia: dos gritos dos
pobres ao grito da Terra na perspectiva da Teologia da Libertação em Leonardo
Boff, que apresentei, assim está escrito:
“Aos teólogos e teólogas da libertação, pela
coragem e pelo testemunho de fé e vida frente às perseguições e martírios. A
Leonardo Boff, João Batista Libanio, Marcelo Barros, Carlos Mesters e D. Pedro
Casaldáliga, que mantêm viva a fé e a fiel esperança”. Lhe enviei um
arquivo para seu email com a mesma, e ele respondeu: “Obrigado. Siga em frente!”. Neste ano tive o prazer de
reencontrá-lo, o que seria a nossa última vez juntos, no Congresso Continental
de Teologia, ocorrido na Unisinos – RS. Neste Congresso, eu lhe entreguei meus
dois primeiros livros: O Mistério e o
Sopro – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens.
Brasília: CPP, 2005 e Utopia Poética.
São Leopoldo: CEBI, 2007. O que ele com um imenso sorriso me disse: “Até que enfim...parabéns...siga em frente!”
Na ocasião lhe perguntei se em meu terceiro livro (que ainda não está
concluído) ele faria a apresentação? “Seria
um prazer. Afinal, temos que dar apoio aos novos teólogos da libertação!”.
Como era bondoso o professor Libanio...me chamar de novo teólogo da libertação.
Ao escrever me emociono lembrando destas palavras, e peço a Deus, que essa
profecia se cumpra. Infelizmente no último dia 30 de janeiro de 2014, o Moreno
de Nazaré o chamou para junto dele. Fico com a lembrança do professor bondoso,
inteligente, bem humorado e cheio de amor pela teologia e pelo povo.
Da
minha parte irei me dedicar com afinco ao Mestrado em Teologia Sistemática. Ele
me enviou um email dizendo: “Parabéns por
mais esta conquista, não se esqueça nunca do povo.”
Em
nossa última conversa, dias antes de começar a Ampliada Nacional da Pastoral da
Juventude, falávamos sobre a juventude, sobre o processo da educação da fé e
ele sempre me pedia, me dizia isso: "que
tenha coragem de lutar por uma pastoral livre, corajosa e libertadora"!
Obrigado
professor querido por tudo o que semeou entre nós. A Teologia e a Teologia da
Libertação perde um de seus maiores mantenedores do diálogo e do respeito, a
Igreja perde um de seus maiores pensadores contemporâneos.
E
eu sigo por aqui, nas suas pegadas, com amor, humor e humildade.
Até
o nosso próximo encontro Libanio.
ENTREVISTA COM JOÃO
BATISTA LIBANIO
EM
ABRIL DE 2002
João
Batista Libanio, padre jesuíta, teólogo, educador e escritor, Belo Horizonte/MG
Esta
entrevista foi concedida ao Jornal ESPERANÇA JOVEM, da Pastoral da Juventude,
da Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Cobilândia, Vila Velha-ES.
Entrevistado
por Emerson Sbardelotti Tavares
EMERSON
– O que é a Teologia da Libertação? É a única teologia da América Latina? É a
melhor?
LIBANIO:
A Teologia da Libertação é, antes de tudo, uma libertação da Teologia. Ela quer
ser uma teologia para a nossa situação e não simples xerox da teologia de
outros países. Ao querer ser uma teologia para a América Latina, ela parte dos
problemas da América Latina. Ora o maior problema que nós vivemos é a situação
de opressão, de exploração das grandes massas populares. E a única maneira de
superar uma situação de dominação é lutar pela libertação. Queremos, como
cristãos, embarcar nessa luta pela libertação dos pobres, motivados e
iluminados pela nossa fé.
A
TdL é a teologia que motiva e ilumina o cristão na luta pela libertação. Por
isso se chama Teologia da Libertação. Ela não organiza, nem faz a libertação.
Isso fazem os homens e mulheres que estão lutando. Ela quer simplesmente ajudar
esses homens e mulheres, que são cristãos, a verem o que a sua fé diz sobre tal
luta, motivando-a, iluminando-a, criticando-a nos pontos em que possa ter
entrado algo de anti-cristão. O papel da TdL é muito importante para sustentar
a fé do cristão comprometido. Pois vimos com tristeza no passado muitos
cristãos que, ao engajarem-se na luta, perderam a oposição entre fé e política,
entre fé e luta libertadora, entre fé e compromisso social. Mostrar isso é uma
das maiores tarefas da TdL.
Ela
não é a única teologia da América Latina, mas aquela que nasceu aqui e se
orienta para a nossa situação. Não se trata de comparar mas de ver sua
relevância e pertinência para nossa situação latino-americana.
EMERSON
– As CEBs são ainda um fenômeno ou não representam mais um novo jeito de ser
Igreja?
LIBANIO:
As CEBs são ainda verdadeiro jeito de ser Igreja. Mas há vários tipos de CEBs.
Há aquelas que amadureceram. Há outras que fraquejaram e outras que
desapareceram.
As
CEBs têm manifestado uma capacidade criativa no campo da liturgia precisamente
lá onde o ministro ordenado não chega regularmente. Elas continuam revelando um
compromisso libertador, firme e decidido, sem talvez a aura militante de outras
décadas, mas não menos sério e eficiente. Enfim, aí esta a vida das CEBs em sua
beleza simples e corajosa.
EMERSON
– Num mundo globalizado e globalizante, qual é o cenário de Igreja que
sobressai atualmente na América Latina e Brasil?
LIBANIO:
Predomina ainda na Igreja Católica, o cenário da Instituição. A preocupação
interna com sua estrutura ainda é muito acentuada. No entanto, há sinais de um
forte sopro carismático que vivifica toda a Igreja e flexibiliza suas
instituições. Há crescente apreço à Palavra de Deus, às liturgias da Palavra,
ao estudo da fé. E também ainda permanece animador em muitos setores da Igreja
um entusiasmo no compromisso com o processo libertador dos pobres.
EMERSON
– O que deve representar o estudo da teologia para a PJB? E o que a PJB deve
representar para a teologia?
LIBANIO:
Muito. A teologia é a busca de intelecção de fé. Na idade jovem se é mais
exigente quanto as razões para crer. Deixa-se de ser criança que freqüenta a
religião pelas mãos dos pais. Agora o jovem anda com suas pernas. Em termos de
fé, significa aprofundá-la. E para fazê- lo, nada melhor que a teologia. E, por
sua vez, a teologia também deve levar em consideração as perguntas que os/as
jovens lhe levantam. Eles/as são como a febre do organismo da sociedade.
Revelam a existência da infecção sem talvez apontar para qual ela seja exatamente.
E a teologia percebendo tal aviso e alarme mergulha no problema e aprofunda.
EMERSON
– Qual a mensagem que o sr. daria para os nossos grupos de base da PJB?
LIBANIO:
Num mundo de desesperança e desânimo, ser um sinal de coragem e engajamento.
Num mundo que só valoriza o presente, acreditar no futuro, forjando utopias.
Num mundo hedonista, mostrar que o verdadeiro prazer está na entrega de si aos
outros. Num mundo de corrupção política, exercer vigilante controle sobre a
administração pública para evitar a malversação dos bens públicos. Num mundo de
violência, revelar a liberdade e transparência acolhedora da tolerância e do
amor. Enfim, anunciar em palavras e ações que é possível criar uma sociedade
alternativa a esta que aí está, começando já no seu meio juvenil o ensaio do
mundo futuro de fraternidade, igualdade, acolhida, paz e amor.
EMERSON
– Pe. Libanio, nas comemorações de 75 anos de tua existência só temos agradecer
a sua valiosa contribuição para o crescimento de nossos jovens, de nossas
jovens na caminhada de PJB. Muito obrigado!
[1] Mestrando em Teologia Sistemática
pela PUC-SP (Campus Ipiranga); Bacharel em Teologia pelo Instituto de Filosofia
e Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo; Licenciado em História
pelo Centro Universitário São Camilo/ES (Campus Vitória); Bacharel em Turismo
pela Faculdade de Turismo de Guarapari/ES; Autor de O Mistério e o Sopro – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de
grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005 (www.cpp.com.br); Autor de Utopia
Poética. São Leopoldo: CEBI, 2007 (www.cebi.org.br). Assessor para as áreas de
Mística e Espiritualidade, Juventude, Bíblia e Liturgia. Correio eletrônico:
prof.poeta.emerson@gmail.com.
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