terça-feira, 13 de setembro de 2011

TdL em Mutirão 26

CARTA ABERTA A NOSSOS MÁRTIRES


Escrevo a todos vós, nossos e nossas mártires,
que destes a vida pela Vida,
ao longo de toda a nossa América,
nas ruas e nas montanhas,
nas oficinas e nos campos,
nas escolas e nas igrejas,
de noite ou em pleno dia.
Por vós, nossos e nossas mártires, sobretudo,
nossa América é o continente da morte com esperança.


Escrevo em nome de todos os nossos povos e de nossas igrejas,
que vos devem a coragem de viver, defendendo sua identidade,
e a vontade obstinada de seguir anunciando o Reino,
contra o vento e a maré do anti-reino liberal
e apesar das corrupções de nossos governos,
ou das involuções de nossas hierarquias,
ou de todas as nossas próprias claudicações.
Acreditamos que enquanto houver martírio haverá credibilidade,
enquanto houver martírio haverá esperança.


Vós, nossos e nossas mártires, lavastes as vestes de vossos compromissos
no sangue do Cordeiro.
E vosso sangue em Seu sangue
continua lavando também nossos sonhos, nossas fragilidades
e nossos fracassos.
Enquanto houver martírio, haverá conversão,
enquanto houver martírio, haverá eficácia.
É morrendo que o grão de milho se multiplica.


Escrevo contra a proibição
dos poderes das ditaduras - militares, políticas ou econômicas -
e contra a covardia esquecediça de nossas próprias igrejas.
Bem que eles e elas quiseram impor-nos
uma anistia que fosse amnésia,
e uma reconciliação que seria claudicação.
Inutilmente.
Sabeis perdoar, mas quereis viver.
Não permitiremos que se apague o grito supremo de vosso amor,
nem vamos deixar que seja infecundo o vosso sangue.


Muito menos nos contentaremos, superficiais ou irresponsáveis,
em expor vossos pôsteres
e cantar-vos numa romaria
ou chorar-vos numa dramatização.
Assumiremos vossas vidas e vossas mortes
assumindo vossas Causas.
Aquelas Causas concretas
pelas quais destes a vida e a morte.
Aquelas Causas, tão divinas e tão humanas,
que desglosam em conjuntura histórica e em caridade eficaz
a Causa maior do Reino,
pela qual deu a vida e a morte e pela qual ressuscitou
o Primogênito dentre os mortos,
Jesus de Nazaré, o Crucificado-Ressuscitado para sempre.


Um a um, uma a uma vos recordamos,
e não dizemos agora nenhum de vossos ilustres nomes,
para dizer a vós todos e todas, numa só voz,
de amor e de compromisso:
nossos mártires! Mulheres, homens, crianças, anciãos,
indígenas, camponeses, operários, estudantes,
mães de família, advogados, professores,
militantes e agentes de pastoral, artistas e comunicadores,
pastores, sacerdotes, catequistas, bispos...
Nomes conhecidos e já incorporados ao nosso martirológio,
ou nomes ignorados, mas gravados no santoral de Deus.
Sentimo-nos como herança vossa, Povo-testemunho, Igreja martirial,
diáconos a caminho por essa longa noite pascal do Continente,
tão tenebrosa ainda, mas tão invencivelmente vitoriosa.
Não cederemos, não nos venderemos, não renunciaremos
a esse paradigma maior de nossas vidas
que foi o paradigma do próprio Jesus
e que é o sonho do Deus Vivo para todos os seus filhos e filhas
de todos os tempos e de todos os povos,
em todos os mundos, até o Mundo único e pluralmente fraterno:
o Reino, o Reino, seu Reino!

Com São Romero da América e com todos vós, nossos e nossas
mártires,
e unidos à voz e ao compromisso comum,
de todos os irmãos e irmãs de solidariedade que nos acompanham,
declaramo-nos "alegres de correr como Jesus
(como todos vós)
os mesmos riscos,
por identificar-nos com as Causas dos despossuídos".
Neste mundo prostituído pelo mercado global e pelo bem-estar egoísta,
com humildade e decisão, vos juramos:
"Longe de nós gloriar-nos
a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo"
e em vossas cruzes, irmãs da sua!
Com Ele e convosco,
seguiremos cantando a Libertação.
Por Ele e por vós,
saberemos jubilosamente
que nos cabe ressuscitar "mesmo que nos custe a vida".

D. Pedro Casaldáliga
testemunha de muitos/as mártires




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